Em Portugal, a vida actual é feita de tudo menos de coisas brandas. Contudo, fico com a sensação de que os nossos professores de Direito, os nossos magistrados e os nossos legisladores ainda vivem com a ilusão de que leis brandas e castração do raio de acção das polícias farão com que os criminosos se recuperem para a sociedade.
Sabemos quase todos nós, todavia, que nada disso é assim. Relembro até que, há muitos anos, alertava o então Ministro Laborinho Lúcio (que fazia o favor de me aturar nos debates promovidos pelo PSD) para a necessidade de, sem cair no “olho por olho, dente por dente”, revermos as ideias ressocializadoras. Dizia-o não apenas por saber o que estudávamos na Faculdade (que a cadeia não recupera ninguém), mas também por sentir que conhecia a segunda parte da frase (a que políticos e académicos ocultavam): que não há possibilidade de, no mundo hodierno, encarregar a sociedade de reformatar sujeitos que entraram na via da prevaricação (a tal alternativa à cadeia).
De então até hoje, creio que as coisas pioraram imensamente! Multibancos rebentados com gás, assaltos a carrinhas de valores, assaltos a ourivesarias e outras lojas, furto de cobre das telecomunicações, agressões entre jovens filmadas para exibição pública, violações e outras malfeitorias multiplicam-se e com grau de violência e crueldade crescentes.
Amadoramente, creio que fui localizando algumas das causas … Desde logo, creio que caiu o que restava de um modelo de comportamento social fornecido pelos titulares de cargos públicos. Se o pós 25 de Abril trouxera o declínio da noção de dever (como correlato do direito) e a degradação da autoridade (não falo de autoritarismo, note-se!), os tempos mais recentes e alguns casos conhecidos propagaram-se na vox populi como razões para rejeitar o político como modelo.
Em segundo lugar, estou em crer que o crime se globalizou e que há redes que o tornam mais eficiente (mormente no escoamento dos produtos roubados ou furtados) e também mais avesso a contornos sociais portugueses (a tal brandura de costumes…), dados os compromissos transfronteiriços assumidos.
Depois, o próprio criminoso sendo também ele em número crescente proveniente de outros países trouxe atitudes mais violentas.
Em quarto lugar, as novas tecnologias – telemóveis e Internet – permitem “aprender” com o que se faz lá fora e banalizar a violência (algo em que o cinema e a televisão também ajudam).
Por fim e obviamente, a crise explica o acréscimo criminal que, todavia, não creio que diminua quando aquela se finar…
Este retrato pede leis exemplares e mais protecção e dignificação das forças policiais, que, ainda assim, se comportam magnificamente, sobretudo se comparadas a congéneres estrangeiras que tenho visto.
Resta-me terminar, desejando a todos um feliz Natal e um Ano Novo com (ainda) mais felicidade (e menos crise…).
2 comentários:
Gostei da reflexão. E preocupa-me o futuro neste tema. Muito. Mas como estamos na época em que as coisas boas sufocam as más por alguns dias, deixo os meus votos de Boas Festas!
Todo sistema jurídico é relativo a uma sociedade. A justiça não pode ou não deve conceber-se como principio universal, porque será sempre ligada aos costumes das sociedades.
Precisamente, é porque a vida colectiva encontra dificuldades na articulação dos interesses individuais, que o direito é necessário.
Porque ele supõe a existência de regras comuns ou de leis ( mais ou menos explicitas) , o direito implica uma reciprocidade completa entre os sujeitos.
Mas sejamos honestos, à sombra das leis da Republica, uma parte da população portuguesa encontra só o desprezo. O desprezo de um universalísmo proclamado mas cego às diferenças. Este desprezo que conduz à discriminação.
E, à sombra das leis de Republica, a maioria das pessoas que vivem nesses bairros populares mais duramente atingidos pelo desemprego de massa, a desigualdade escolar, a insegurança social, a relegação económica e a marginalizaçao territorial. pede mais justiça e não mais repressão.
Estes homens e mulheres sequiosos de justiça e de igualdade fazem a dolorosa experiência do medo e do ódio e sabem que a justiça demasiado tardia é, de facto, : negação de justiça.
A miséria e o desemprego nos quais é precipitada uma grande parte da população, enquanto que a minoria maviosa participando ao poder se enriquece impunemente, a corrupção e o despotismo erigidos como norma do funcionamento do Estado, levam à revolta , que apelará automaticamente à repressão. Como aplicar a justiça elementar quando os "grandes" não respeitam a lei ?
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Fecham-se as fábricas ou deslocalisam-se e no lugar construem-se prisões. Como não reagir contra este futuro carceral que se prepara?
Quem não vê que as prisões como única esperança para os nossos filhos não é aceitável?
Claro que existe uma outra porta de saída : a emigração! Mas que desastre para a Nação quando os sus filhos, quiçá os mais bem preparados para o futuro são obrigados a abandonar a Pátria! Aqueles que restam procuram então outros meios para viver, quando o trabalho não existe.
Numa tal óptica, a justiça redefinida como equidade implica o direito à liberdade fundamental : os estatutos económicos e sociais. Para evitar a necessidade repressiva.
Freitas Pereira
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BOM NATAL PARA A FAMILIA DO LODO OS SEUS LEITORES
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