quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Como não aumentar a produtividade em Portugal

Uma das medidas a negociar na concertação social, numa lógica de equilíbrios entre os sacrifícios a pedir aos sectores público e privado é o aumento da carga horária laboral em 30 minutos diários no segundo. Se o objectivo passa por aumentar os índices de produtividade dos portugueses, parabéns Sr. Ministro, é bem capaz de ser uma das piores formas de o fazer. Diria mais, uma medida contraproducente, e factor de aumento da frustração sentida no seio da nossa sociedade. Partindo de uma premissa de constatação:
Portugal é um dos países da União Europeia onde a carga horária laboral é mais elevada;
Portugal é um dos países da OCDE com piores desempenhos no que respeita à produtividade.
Na lógica apresentada pelo Governo português, se passarmos a ter camaratas nas unidades de produção ao estilo chinês, e esticarmos os horários de trabalho para as 16 horas diárias, talvez consigamos subir uns pontos nos rankings internacionais e impulsionar a nossa economia.

A optimização do tempo de trabalho é uma preocupação central quer nas entidades estatais, quer no sector privado. Foi desta preocupação que saiu o Simplex de Sócrates e as normas regulamentares internas nos mais diversos sectores que visam disciplinar o comportamento dos seus colaboradores. Falamos neste caso dos bloqueios ao acesso a redes sociais, da fixação dos horários para as pausas do café e cigarros, implementação de sistemas de informação integrados, partilha de agendas, informatização e centralização de registos, e a lista de regras poderia continuar... o que nos deixa invariavelmente com o factor humano. Das relações entre indivíduos e da afirmação do ser no seu meio. Devemos por isso considerar 2 realidades: a primeira, de fundo, respeitante à interpretação da função social do trabalho. A segunda, relacionada com os factores motivacionais subjacentes à execução do mesmo.
No primeiro campo, e apelando à memória colectiva, há uma diferença cultural considerável entre os países do Sul europeu e os restantes que resulta numa visão do trabalho e conquista de capital de duas formas distintas. Esta foi bem explorada por Max Weber em 1905 e a tendência mantém-se parecendo-me a maior dificuldade na mudança necessária face à interpretação do papel do trabalho na nossa sociedade. Naturalmente que se trata de uma abordagem generalista, não abordado casos de maior sucesso no nosso território. Mas como dizem, a regra fez a excepção.
No segundo campo, aquele que mais facilmente podemos moldar, abordamos as motivações do trabalhador. Aquela que não tem sido olhada por sucessivos governos e é também mal interpretada pelos sindicatos. Por norma, e para que uma empresa obtenha maiores ganhos dos seus recursos humanos deve considerar dois factores preponderantes: o primeiro, o dinheiro. É um facto: se não houver uma justa recompensa, as pessoas não ficam motivadas. Encontrar a solução para a justa retribuição pode ser um processo longo e alvo de diferenças de opinião, mas creio que a encontramos na generalidade dos casos quando pagamos às pessoas o suficiente para que a questão seja colocada de parte.  E neste caso, sabendo que muitas vezes o salário mínimo nacional é insuficiente para pagar uma simples renda num T1 trata-se de uma questão premente. Os sindicatos estão também por isso em falta com os seus representados na falta de audácia nos processos negociais e na inércia em estabelecer uma doutrina que se baseie nesta lógica de win-win. Entre questionar uma entidade empregadora se quer um colaborador realmente motivado para dar o melhor de si ou só mais um para o que der e vier... não podemos ir muito mais longe do que as singelas comparações nos vencimentos mínimos e médios praticados na União Europeia.
A segunda fonte motivacional prende-se com o reconhecimento do indivíduo. Parece-me que na maior parte dos casos a Pirâmide de Maslow é interpretada como uma beleza académica: lírica e impraticável. Neste caso deve ser tomada como basilar no desenvolvimento de uma estratégia sustentada das empresas, explicando-se ao contratado qual a visão e a missão do projecto que integra, quais os propósitos e objectivos na sua função e qual o plano a médio prazo. Num momento em que as progressões na carreira pública estão congeladas há demasiado tempo, é hora de desenhar um verdadeiro plano de reconhecimento que não tem de passar pela subida nos escalões de IRS, mas pode ser tão simples quanto afirmar a qualidade, esforço e dedicação colocados no quotidiano laboral. Pode parecer pouco, mas todos nós sabemos quão boa foi a sensação de dever cumprido, de verdadeiro valor acrescentado, da inovação, ainda que apenas com uma palavra de apreço dos nossos superiores hierárquicos. Falta apostar na autonomia e liberdade à criatividade dos colaboradores, no aumento de competências através de formações - obrigatórias mas leccionadas muitas das vezes para cumprimento dos requisitos mínimos, e é imperativo que as empresas cumpram um dos seus mais significantes papéis: traduzirem aos colaboradores o seu propósito.
Falta ao trabalhador português descobrir o seu lugar na sociedade, e este é, creio, o maior e mais desafiante problema na produtividade nacional. Mas parece que as 16 horas diárias também possam ser uma solução.

2 comentários:

Defreitas disse...

Excelente « post » , de grande actualidade e muito bem escrito (gostaria de escrever como a Tânia, mas os tais 50 anos de ausência da Mãe Pátria !) .
O tema é interessantíssimo, porque é a chave do conflito visível , desde sempre, entre o capital e o trabalho. Porque a produtividade é central em muitos raciocínios económicos, porque a produtividade não se vê, não se toca, porque se fala mais frequentemente de “ganhos de produtividade” que da produtividade em si.
Tenho um exemplo pessoal na gestão duma empresa de 300 colaboradores especializada em produtos industriais ‘high tech’ ( robótica industrial), que dirigi, durante quinze anos. Escreverei sobre essa experiência um pouco abaixo.
A equação : produtividade do trabalho = quantidade produzida/quantidade de trabalho utilizada, é conhecida.
O problema põe-se quando a produtividade do trabalho leva os investidores a calcular a produtividade do capital = quantidade produzida/ quantidade de trabalho e de capital utilizado.
Vamos admitir que “há ganhos de produtividade “, graças ao progresso técnico, aos novos métodos de fabricação, aos novos materiais, às novas máquinas automáticas, aos novos modos de organização do trabalho à melhor formação do pessoal,que permitem aumentar a produção (mas nem sempre), de aumentar os salários (mas nem sempre) de aumentar os lucros (quase sempre) de baixar os preços ( e de aumentar o poder de compra) e de diminuir o tempo de trabalho. Tudo isto é possível. Experimentei-o!
A questão seguinte seria : Quem deve beneficiar destes ganhos de produtividade ? Como partilhar este valor acrescentado suplementar entre os fornecedores de capital e os fornecedores de trabalho?
Todas as soluções são possíveis : tudo para o assalariado, tudo para os proprietários da empresa, ou um pouco para os dois (proporção ?) .
E a Tânia tem razão na sua conclusão : o dinheiro tem uma importância fundamental, mas o reconhecimento do indivíduo também.
Como disse mais acima, experimentei e implementei na minha firma uma regra de partilha dos resultados, que negociei com os accionistas, claro, segundo a qual, além do salário justo, um prémio de “resultado” baseado na produtividade, seria pago no fim do ano, após análise dos resultados líquidos após taxas e impostos.
Criei uma formula matemática simples que permite de aumentar este prémio, ou de o reduzir, precisamente segundo o resultado anual. E, claro está, é o mesmo para todos, do Director Geral ao simples empregado. Ainda hoje esta formula é aplicada nesta firma, onde ainda sou administrador, e o prémio chama-se “ bónus de Freitas “ (desculpe a imodéstia, mas tenho um certo orgulho nisso).
“Sofri” uma só greve (de âmbito nacional ) mas que não afectou o ambiente social da empresa.
Em conclusão : O grande problema que se põe às empresas ocidentais, dotadas de políticas sociais avançadas, é o perigo da globalização. Porque sabemos bem, que estas regras são postas em concorrência com países ditatoriais baseados na escravatura, onde os assalariados não têm um mínimo de vantagens sociais : nem salários decentes, nem horários de trabalho civilizados, nem assistência social.
Mas onde a cupidez do capitalismo financeiro vai procurar uma maior rentabilidade do capital , graças a uma produtividade baseada precisamente nas condições de trabalho medievais do parágrafo precedente.

Freitas Pereira

Tania Morais disse...

Oh Freitas Pereira, quem me dera ter a sua clarividência quando escrevo, isso sim seria de valor!
E obrigada por ter partilhado tão bom exemplo, é sempre bom irmos conhecendo o que de melhor fazemos, sendo que acho mais do que justo ter agora o "bónus de Freitas". Era precisamente deste tipo de reconhecimento que falava.
/tania