Longe vão os tempos em que, por terras de França, a imagem do português não seria a melhor. Mercê da grande emigração portuguesa para França na década de 50 do séc. XX, uma imagem esterotipada do nosso povo foi-se moldando aos olhos dos franceses. Não raras vezes, o que passava era a imagem do português boçal, de baixíssimo nível cultural, votado a profissões desqualificadas e muitas vezes humilhado e discriminado. E até mesmo Hollywood (ainda há bem pouco tempo) a isso deu uma ajudinha - quem não se lembra da família de portugueses (mal) retratada no sucesso de bilheteira que foi "O Amor Acontece"?
Felizmente essa imagem tende a desaparecer, não só porque actualmente os portugueses estão bem entrosados na sociedade francesa, na qual têm até uma crescente influência política, mas também porque França tem acolhido (e reconhecido) a cultura portuguesa como jamais sonharíamos. O sucesso que artistas e criadores portugueses têm alcançado em França nos últimos tempos é simplesmente notável.
No campo literário, Gonçalo M. Tavares recebeu no ano transacto o prémio de Melhor Romance Estrangeiro; José Luís Peixoto é indicado pelo Le Figaro como o "escritor que levanta bem alto a literatura do seu país"; António Lobo Antunes é, este ano, alvo de uma homenagem inédita que contará com mais de cinquenta espectáculos dedicados à sua obra.
No que toca à sétima arte, Mistérios de Lisboa é um filme baseado na obra de Camilo Castelo Branco muito aplaudido por aqueles lados no último ano. E ainda há dias, a actriz Leonor Silveira, musa de Manuel de Oliveira, foi condecorada pelo governo francês com o grau de Cavaleiro da Ordem das Artes e Letras.
Por fim, a artista plástica Joana Vasconcelos vai ver as suas obras expostas na mais recente sala de exposições por terras de França - o Palácio de Versalhes. Não faltam dúvidas de que os artistas portugueses estão a ter um merecido destaque por aqueles lados. E, depois de tanta década de preconceito, dá que pensar, este reconhecimento da cultura portuguesa num país tão umbiguista, que tem, como dizia alguém, uma visão tão «etnocêntrica» do Mundo...
3 comentários:
Acho bastante redutor este texto da Dulce. Vivendo em França há meio século, tendo acompanhado a odisseia da imigração portuguesa , sobretudo a dos anos cruciais das décadas de 1960 a 1980, que viu milhares de jovens fugir às guerras do ultramar, e milhares de trabalhadores agrícolas e gente sem qualificação e mesmo analfabetos, fugir à miséria, sobretudo oriundos das terras ao norte do Tejo, que foi sempre uma terra de emigração, é tarefa impossível descrever esta hemorragia num titulo abrangente como o que escolheu.
“votado a profissões desqualificadas e muitas vezes humilhado e discriminado” escreve a Dulce!
A França foi sempre uma terra de imigração e de asilo. Desde Aquilino Ribeiro e Afonso Costa, e dos Republicanos refugiados após o fracasso de 1891, às centenas de exilados políticos da época de Salazar, este pais recebeu sempre os nossos compatriotas segundo as possibilidades da época. Os bidonvilles da periferia parisiense correspondiam ao imenso problema do alojamento que os franceses conheceram ao sair da ultima guerra.
Os trabalhos oferecidos aos portugueses vindos a salto , portanto ilegais – e foram milhares – e os imigrantes legais correspondiam às necessidades da industria francesa no pós guerra.
Mesmo assim, os Portugueses fixaram-se mais na industria que nas minas, (Poloneses e Russos), ou Italianos (construção civil, mas mais tarde também Portuguesa) e muito pouco na agricultura que era portanto frequentemente o que conheciam melhor.
“imagem do português boçal, de baixíssimo nível cultural”, escreve ainda a Dulce.
A qualificação dos nossos compatriotas era aquela que a Mãe Pátria lhes tinha oferecido. A cultura também. O nível de instrução dos imigrantes portugueses era , de maneira flagrante, ,infelizmente, o mais baixo das varias nacionalidades europeias presentes.
Tive a oportunidade de dar trabalho a muitos Portugueses na firma que dirigi, e depois duma boa formação eles eram entre os melhores em todos os aspectos. O que prova bem que não há povos inferiores mas governos incapazes!
A partir de 1964/65 , a precariedade das condições de existência, a importância crescente em certas comunas,o desconhecimento da sociedade francesa, certos dramas da viagem a “salto”, chamaram a atenção das autoridades, ajudados pela TV, os média e mesmo o cinema! Data daí uma certa administração da imigração portuguesa.
As Associações Portuguesas floresceram e hoje, do ensino da língua portuguesa à aprendizagem dos direitos políticos e sociais, os imigrantes não estão mais abandonados.
Há um aspecto curioso na imigração portuguesa: os Franceses consideram os Portugueses como os mais “invisíveis” dos imigrantes, talvez porque são aqueles que melhor se integraram neste pais, os mais bem considerados e certamente trabalhadores e ordeiros. Ontem “os mais estranhos dos estrangeiros”, hoje “cidadãos europeus”, muitos não querem ver o que ainda denuncia neles o facto que são imigrantes !
Cara Dulce, só mais dois pontos : estranho que não tenha mencionado Fernando Pessoa no grupo dos escritores conhecidos em França ( se tivesse visto, em Avignon , como eu vi, o espectáculo da “Ode ao Mar” teria remorsos de o ter esquecido, tanto mais que foram os Franceses que melhor o fizeram conhecer no estrangeiro).
Da mesma maneira, Saramago, um Prémio Nobel, que foi celebrado em duas emissões de TV e France Culture. Ou ainda Maria João Pires , a famosa pianista que é conhecidissima em França. E muitos outros.
Cumprimentos
Freitas Pereira
A propósito do etnocentrismo francês, como escreve, não conheço nenhum pais que não tenha uma inclinação etnocentrica!
Entretanto, creio, que os Franceses dão essa impressão de etnocentristas, porque:
Os Franceses fazem uma rejeição cultural da língua inglesa.
Opõem resistência à globalização
Clamam que inventaram os Direitos do Homem.
Sem duvida, o facto de terem escrito, os primeiros, que: “ Os homens nascem livres e iguais em direito ...” dá-lhe certos pergaminhos !
Ha uma diferença notável entre o espirito de campanário, bem Francês, e o etnocentrismo:
No primeiro caso consideram que estao sozinhos no mundo, e no segundo é a convicção da superioridade da sua própria Nação e da sua própria cultura.
Sendo Português, aprofundei frequentemente esta questão: Que pensar de um pais, que chamado “filha primogénito da Igreja” e terra dos Papas, depois primeira potência mundial (entre o período espanhol e o período inglês) teve frequentemente posturas de alcance geral ?
Portanto sim, a França desempenhou um papel à parte na historia das ideias políticas e da democracia e influenciou uma parte do mundo ( O código civil presente em todos os países latinos e tomado por modelo é o exemple perfeito), mas não, a Dulce tem razão, não se deve fazer um caso de etnocentrismo e muito menos de « umbiguismo ». ( não conhecia esta palavra!).
Cumprimentos
Freitas Pereira
Caro Freitas Pereira, desde já agradeço o seu comentário, completo e esclarecedor, como é seu hábito neste blog!
A visão do português emigrado em França 'votado a profissões desqualificadas, discriminado (...) e pouco letrado' é aquela que foi passando ao longo dos anos, aquela que a televisão, o cinema e a literatura descreveram; ou seja, não ponho em causa essa imagem dos portugueses, tampouco a digo melhor ou pior que os demais imigrantes em França... é tão só a imagem que fui construindo mercê daquilo que ouvi e li.
O que quis foi fazer um contraste entre essa imagem (que felizmente se vem esbatendo ao longo das décadas, graças à tal capacidade dos portugueses em adaptarem-se e em escalarem patamares culturais e sociais...) e aquilo que hoje a França reconhece no nosso povo, sobretudo, em matéria cultural.
Quanto a Pessoa, Saramago e MJ Pires, bem lembrado! O meu texto aqui foi mesmo «redutor», pois destaquei apenas os sucessos mais recentes...
Por fim, reconheço que a História da nação francesa lhe dá um certo direito ao tal «etnocentrismo» e «umbiguismo» (também não estou certa que esta palavra venha no dicionário... mas costumo usá-la...); e, de facto, é notável que um povo enalteça e dê primazia à sua cultura, aos seus! Porém, num mundo inevitavelente globalizado as barreiras à cultura dos outros já não fazem sentido... e parece que a própria França vêm reconhecendo isso, como felizmente comprova o meu texto.
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