Dando o devido desconto a afirmações que não aparecem em discurso directo, li com agrado as notícias que falam da alegada intenção de mitigar o método de voto universal (vulgo “directas”) na eleição do presidente do PSD (abrindo a votação, apenas depois do congresso), por parte de Pedro Santana Lopes.
Como se sabe, foi Santana Lopes o primeiro grande defensor das eleições directas, no Congresso de Viseu, em 2000. Tive, nessa ocasião, o privilégio de participar na fundamentação teórica da moção que defendia a bondade da adopção da eleição directa do líder e de colaborar directamente com o seu autor. As razões da minha luta eram várias, a mais da que advinha do facto de apoiar aquele: por um lado, a matriz democrática da proposta; “um militante, um voto” era um lema que correspondia ao grau máximo de abertura de uma entidade partidária, num sistema democrático. Pensava, ademais, que as resistências à sua adopção tinham a ver com o afã de algumas individualidades em conservarem o nicho de opinião ou que se tratava do receio que, ao longo da História, sempre se manifestou, quando se alargou o universo de votantes (fosse a negros, mulheres ou cidadãos com baixo rendimento).
Cria ainda que rejeitar as “directas” era enjeitar a modernidade, que era necessário dar novo ímpeto a um partido que me parecia saudosista, parado no tempo…
Por fim e resumindo, pensava que o problema maior do PSD era o seu elitismo; ou se pertencia a uma “casta” superior e, de preferência, fundadora, ou não se tinha justo título para determinar o rumo a seguir.
Havia, assim, que fazer a experiência, com a noção de que os avanços no sentido da abertura são dificilmente reversíveis.
Contudo, de algum tempo a esta parte, venho adquirindo a ideia de que optei por um pensamento teórico bem estruturado, mas desligado da realidade sociológica portuguesa e do PSD, em particular. Olhei apenas à teoria política, esquecendo a ciência política, diria.
O facto é que as “directas” não democratizaram o PSD. Promoveram, isso sim, o poder do dinheiro e o pagamento de quotas em catadupa, por vezes, com apoiantes de facções diversas a preencherem vales postais à mesma mesa, ao que se diz. Por outro lado, demoliu-se o espaço tribunício dos congressos, em que os grandes oradores podiam fazer tal diferença, que havia marcações homem a homem, quase como no futebol; onde a retórica podia desequilibrar a balança(os directos televisivos duravam horas), mandam, agora, os caciques e os sindicatos de votos. Obrigar à realização prévia (ainda que por horas) de um congresso, devolve algum espaço à argumentação.
Em terceiro lugar, o que era para ser modernidade redundou em mera automatização de militantes que, satisfeitos com o noticiário nacional, votam localmente sem exigir mais debate e explicações sobre o destino intermédio do seu voto (a quem se dá poder no concelho ou no distrito).
Por fim, agravou-se a miséria franciscana de um País sempre deficitário em matéria de elites.
Quem tenha uma carreira profissional e interesses diversificados na vida não pode competir com máquinas e angariadores profissionais. No entanto, a experiência de quem não viveu uma vida à sombra de lugares de poder e que, por isso, tem uma mundividência realista e informada é essencial ao debate, sob pena de distanciarmos a perder de vista os partidos das pessoas.
6 comentários:
Ex-ce-len-te !!
Muito bem Gonçalo. Tenho apenas a dizer que foi por muitas destas coisas que fui, à data, contra as eleições directas.
Obrigado, Luís.
Como escrevi, fui a favor, mas acho que há que corrigir algo que não deu certo.
Não deu certo, pelas razões que enumera penso que é uma questão de atitude, que deve mudar imediatamente. Regresso ao passado não me parece boa ideia, isso pode dar jeito a quem gosta de ver o partido dividido.
Penso eu de que.
Meu Caro, como militante activo de base que sou, tenho tido oportunidade de a espaços acompanhar o seu percurso partidário. Admiro a qualidade da sua intervenção e a frontalidade que sempre utiliza. Mais uma vez não desilude ao fazer uma análise correcta e coerente das directas. Os meus parabéns.
Na verdade, virou-se o feitiço contra o feiticeiro… Quando se procurava mais democracia e mais militância, fomos encontrar mais populismo e mais manipulação…
Para mim, nunca é tarde e urge fazer algo. Se for preciso voltar atrás que se volte… Os militantes activos que discutam livremente nas suas secções e que levem as suas propostas para deliberação num Congresso Extraordinário.
O Partido não aguenta por muito mais tempo este clima de confrontação permanente.
Não podia estar mais de acordo com o Gonçalo. Confesso que nunca acreditei nas directas, mas considerei e aceitei a argumentação dos seus apoiantes em 2000. Acabar com as directas não é retirar participação às bases, antes pelo contrário, pois a eleição dos delegados a congressos pode minimizar o efeito militante fantoche.
Por vezes a análise empírica vale mais que o raciocínio teórico. Mudar não é inconsistente desde que fundamentado.
Raul
Se vivessemos num mundo ideal ou, pelo menos, numa sociedade anglo-saxónica, acredito que poderiamos esperar a mudança de atitudes. Neste caso, creio que resta mesmo aproveitar o facto de a proposta partir de alguém com alguma ressonância (no CDS tentaram "usar" a JP para o mesmo efeito e correu mal).
Carlos
Agradecendo as reconfortantes palavras, digo-lhe que só o conseguiremos se nos empenharmos, votando nos delegados e indo aos plenários. Eu estarei de volta.
Nuno
Sempre acreditei na combinação comutativa entre teoria e prática. Por isso, prossegui os meus estudos combinando a teoria e a ciência políticas; este é um dos casos, como diz, em que o empirismo prevaleceu :)
Dito isto, de facto, em Portugal, mesmo que mal, o que funciona é democracia representativa...
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