quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ter memória não é ser amnésico

Juro que queria escrever sobre a pré-campanha em curso, mas ou por falta de imaginação, ou porque a coisa roça mesmo o óbvio, não tenho muito a dizer a não ser que tudo me tem parecido natural e óbvio. Assim sendo, veremos se a campanha propriamente dita desequilibra as contas para PS ou PSD; em termos de apostas “totobolísticas”, para já, jogue com uma tripla…

Em função da modorra política supra descrita, deixo-vos umas breves linhas sobre um apontamento de fim-de-semana, no qual, entre outras coisas, pude, finalmente, visitar o Vale dos Caídos, em Espanha.

O monumento em si mesmo imponente fica perto de Madrid e visava perpetuar a vitória de Francisco Franco e seus apoiantes na Guerra Civil Espanhola, embora sob a capa nacionalista que levou a que por ali estejam sepultados tanto nacionalistas como republicanos. Afirma-se, no entanto, que muitos prisioneiros da ala derrotada (a republicana) terão feito o trabalho pesado (muito pesado, se pensarmos que a extensíssima basílica foi escavada em rocha).

Deixando de lado considerações artísticas (vale a pena), cobram lugar de destaque os túmulos de Francisco Franco e de José Antonio Primo de Rivera, filho do autocrata com o mesmo apelido, fundador da Falange (dínamo da propaganda nacionalista) e mártir dos nacionalistas (morreria com 33 anos).

Com esse facto em mente, em 2007, o Congresso espanhol aprovaria, depois de insistente trabalho de José Luis Zapatero (Presidente do Governo), a Ley de la Memoria História (ou La Ley por la que se reconocen y amplían derechos y se establecen medidas en favor de quienes padecieron persecución o violencia durante la Guerra Civil y la Dictadura), que deu ao lugar um cunho exclusivamente religioso, proibindo qualquer uso político (algo que era comum, até há uns anos e designadamente, nos aniversários da morte de J.A. Primo de Rivera.

Perguntará o leitor, por esta altura, se estou a tentar fazer uma imitação barata de um dos programas do Prof. José António Saraiva. A resposta é um humilde “não”!
O meu ponto é bem diverso e tem a ver com a maneira com que Espanha sempre conseguiu lidar com o seu passado, a espaços, bem mais sangrento do que o nosso. A transição para a democracia foi pacífica e preparada por Franco, o Rei Juan Carlos reina incontestadamente, apesar de protegido e “indigitado” pelo primeiro, e não houve qualquer histeria de apagar nomes ou de fingir que as coisas não aconteceram.

Por cá, há uma ponte com o nome de uma revolução que nada teve a ver com a sua construção (a Ponte Salazar passou a Ponte 25 de Abril), é um “ai Jesus” cada vez que a população de Santa Comba-Dão fala numa estátua ou baptiza uma praça e nada existe que aborde descomplexadamente e com rigor histórico os defeitos (em maioria) e os méritos do Estado Novo.

Desconfio que a maioria da classe política nem saberia explicar aos filhos o que se passou… E, no entanto, o cultivo da ignorância é o pasto dos fantasmas… Ou já se esqueceram da eleição do Doutor Salazar como o primeiro entre “Os Grandes Portugueses”, na RTP?

1 comentário:

José Alberto Vasco disse...

Estou de acordo, caro Gonçalo. Penso que se trata de um problema de falta de humildade democrática. Por exemplo, em Alcobaça mudou-se o nome da Praça Dr Oliveira Salazar para Praça 25 de Abril, que continua a ser a sua designação legal. Contudo, os serviços de informação da Câmara Municipal, certamente obedecendo a "ordens superiores" teimam em agora chamar-lhe Praça do Mosteiro em tudo o que seja programas e documentos. Estesa complexos são realmente terríveis, não é? E já agora, fique sabendo que o Brad Meldhau regressa a Alcobaça em 1 de Novembro, agora em trio. Abraço