terça-feira, 14 de julho de 2009

A tinta que uma morte faz correr

No passado dia 25 a morte de Michael Jackson interrompeu as emissões das televisões de todo o mundo e, sem que alguém o esperasse, viveu-se de perto o desaparecimento do cantor. Nunca a morte de uma celebridade teve tamanha cobertura mediática. Nesse plano, pode até cair-se na tentação de compará-la à da princesa Diana de Gales, mas essa ocorreu há mais de uma década e aí as tecnologias ainda estavam a milhas de chegar onde chegam hoje.

Não se estranhe por isso que o súbito desaparecimento do Rei da Pop tenha tido a maior cobertura da história da internet e um impacto por todo o mundo que não é fácil de estimar. Por cá, sabe-se que Michael Jackson foi a personalidade não fictícia mais pesquisada pelos portugueses no primeiro semestre de 2009, com 84 mil cibernautas a digitar o nome do músico nos motores de busca.

Na tv, os noticiosos de todo o mundo seguiram até à exaustão as reacções de Hollywood, dos fãs e de um sem fim de personalidades - como o Presidente Obama ou até Nelson Mandela - que se pronunciaram com emoção sobre a morte do músico. Recuperaram-se do baú entrevistas com Michael Jackson que vieram ocupar horários nobre usualmente dedicados à ficção. Os canais de música dedicaram horas e horas de videoclips dos tempos áureos do cantor e as vendas dos seus discos dispararam: no Reino Unido seis deles ocupam o Top 10 de vendas e em Portugal o cenário não diverge muito, com três discos nos seis primeiros.

Sucede que, no entretanto, vem-se caindo no exagero e corre-se até o risco de ridicularizar o desaparecimento do músico com tanta notícia supérflua. As polémicas começam logo com as especulações em torno das razões da sua morte, deixadas em branco na respectiva certidão de óbito, sendo que até que a autópsia seja conclusiva, tudo se dirá. Valha-lhes a imaginação.

Inevitável foi também o tema do testamento, um mistério desvendado para desgraça de seu pai, que se viu excluído da herança. E vai daí parece que se lembrou de acautelar a vida, anunciando que vai reunir os netos e formar uma nova banda à semelhança dos Jackson 5. E claro, já cá faltavam as ex-mulheres, essas que vêm à tona sempre que uma celebridade tem um fim trágico. E lá veio uma delas revelar que o pobre Michael não era o pai de Prince e Paris. E a imprensa, sempre atenta, a dar-lhes voz.

A mesma imprensa que, incansável, deu-se ainda ao trabalho de nos revelar que a mãe do Rei da Pop foi ao cabeleireiro antes do funeral do filho, imagine-se! No entretanto disputavam-se entradas para a cerimónia fúnebre e os fãs sorteados lá abanavam os ingressos na mão com um sorriso nos lábios. O showneral, mais festa que outra coisa, teve direito a cantorias e muitos óculos escuros, um espectáculo que as nossas prezadas tv's transmitiram em directo. Tudo muito bonito. Só Mariah Carey veio pedir desculpas pela sua performance, que disse ter sido medíocre. Estávamos todos ainda a pensar nisso, darling... Do que ninguém se lembrou foi dos milhões que custou a cerimónia, milhões esses que sairão do bolso do contribuinte. Parece que a procissão ainda vai no adro...

Mas se julga que não há mais tema de conversa em torno de cantor, atente ao que se segue: numa reportagem feita pela CNN em Neverland, para o programa Larry King Live, há quem diga que pelos corredores da casa andava o fantasma do cantor. Já o "The Sun" publicou uma fotografia de um carro onde o seu dono afirma ver reflectida a imagem de Jackson. E no Brasil, circula uma foto de um tabuleiro de carne assada cujos restos formaram o seu rosto. Sim, isso mesmo, um tabuleiro de carne assada!

Enfim, parece que vale tudo. Benditos os media deste século XXI que nos trazem a informação a uma velocidade que nunca antes se pensara. O problema é que o mediatismo da coisa conduz ao exagero, ao ridículo e até à desinformação. A imprensa bebe tudo quanto jorra sobre a vida e a morte do cantor, sem pingo de critério. Falta um filtro, falta sensibilidade e falta bom senso. E assim se transforma a morte de uma estrela num folhetim sem fim à vista. Muita tinta já correu e muita tinta irá correr.

Sem comentários: