terça-feira, 21 de abril de 2009

Estupidez decotada

Uma das mais recentes risotas da vida pública nacional tem a ver com as normas de conduta relativas ao vestuário das funcionárias da nova Loja do Cidadão de Faro, que foram diligentemente expendidas por algum(a) inábil mas diligente serviçal, numa acção de formação especialmente agendada para tão inaudita mostra de falta de bom senso.

Segundo o que pode ler-se, as proibições abrangiam decotes exagerados, saias curtas, perfumes agressivos, peças em ganga, saltos altos e roupa interior escura…

Porém, para que não me interpretem mal, vamos por partes: obviamente que, defendendo eu que haja regras, também advogo que haja bom senso na sua formulação.

Seria ridículo, se uma funcionária se apresentasse de blusa escura ou opaca, exigir uma vista prévia às intimidades da senhora, que poderiam passar, vá-se lá saber, por nem sequer ostentar resguardo (escuro ou claro), total ou parcialmente. Acresce que me parece excessivo o simples exame de transparência, no caso de uma das atrevidas servidoras públicas se fazer guarnecer de trapos exteriores claros. O mesmo digo do uso de saltos altos, que seria insano vetar, dado ser o cúmulo limitar o serviço de atendimento ao público a maiores de 1,70m ou fiscalizar o uso de sabrinas ou outro calçado raso… Talvez por isso estas duas proibições tenham sido negadas, de forma peremptória, pela Agência para a Modernização Administrativa.

Também terá sido uma ideia de jerico se, mesmo que o contingente inicial só abranja cidadãs, não se previram normas similares para os cavalheiros que ali prestem ou venham a prestar serviço; falo, por exemplo, do uso de casaco e da proibição de sapatilhas. Dito de outro modo, será um apalermado labéu contra as mulheres, se não houver razão bastante para se não proibirem palitos ao canto da boca, pelos de fora da camisa ou sovacos suados aos homens.

E claro está que a União de Sindicatos do Algarve, aproveitando para fazer uma prova de vida e justificar as quotizações que pede, aproveitou para um foguetório à conta do tema, fazendo crer que defende algo de essencial, quando faria melhor em pedir formação a sério para os funcionários.

Indo, contudo, mais fundo, mais do que uma saia ou um decote, o que está em jogo é o complexo do “é proibido proibir” que o 25 de Abril instalou no nosso malfadado espírito latino e que fez que se confundisse a defesa do bom senso com uma luta contra um fantasma de fascismo em que ninguém se reconhece.

Servem estes episódios para sindicatos, Bloco de Esquerda e algumas figuras sem pouso certo continuarem a explorar, com demagogia, o desamparo de muitos. Todavia, mesmo os que não tenho nessa conta, como é o caso de Helena Roseta, parecem ter-se deixado contaminar pela desorientação destes tempos cinzentos; basta ler o “Público” de 14 de Abril para a “ouvir” dizer que “o 25 de Abril acabou por ser também uma libertação no tocante ao vestuário”… Como?!... Exigir aprumo é ser adepto do Estado Novo?! Quererá a Sra. Arquitecta ser atendida por uma funcionária que lhe mostre a roupa interior (dado o decote) ou que mastigue pastilha elástica? Já bem basta os museus – constatei-o no Museu do Chiado – estarem na vergonhosa situação a que este Ministro os deixou chegar, tendo que socorrer-se de voluntários (gente de louvar, sublinho) a quem não dão uma farda ou um fato à altura do espaço… Que se comecem a ver calças de ganga na assistência do São Carlos, já me vou habituando, mas os seus funcionários continuam a trajar impecavelmente.

A meu ver é compatível a exigência de rigor sem cruzar a fronteira da liberdade individual. Os que pensam em contrário foram alguns dos que, se calhar, estiveram na primeira fila do facilistismo instalado no ensino e que faz com que, mais do que exigir conhecimentos, haja a preocupação de não “traumatizar”. No fundo, instala-se uma mentalidade à luz da qual exigir civismo é adorar o fascismo… Claro que a defesa de normas comportamentais ficam de rastos, quando a razoabilidade também perde roupagem, como poderá ter sucedido em Faro…

O que falhou na capital algarvia foi o bom senso de um qualquer formador, que podia ter passado a mesma mensagem de forma mais hábil, não a “desnudando” ao ponto de deixar crescer a chalaça demagógica de libertários que do caos querem fazer o seu poder.

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