Uma olhadela pelos números do crédito malparado – isto é, pelos índices de incapacidade das pessoas para pagarem os empréstimos que contraem – mostra que muitas pessoas, mantendo o incompreensível vício de se alimentarem, já não conseguem pagar as prestações, no caso mais frequente, das casas. Ora, com um mercado de arrendamento ineficiente, parece-me dramático que o dinheiro não chegue para, ao fim do mês, se paga mais uma quantia por uma casa que, em bom rigor, só será nossa daqui a umas décadas…
E, escrevi-o no passado, se é certo que as pessoas comprar coisas de que não precisam (vários LCD ou plasmas, “n” telemóveis e tantas outras coisas acessórias, mas que a publicidade torna essenciais à nossa felicidade) e que, regra geral, se bastariam com uma casa mais acessível, é bem mais relevante fazer notar que, designadamente em Portugal, os grandes partidos raramente cumprem a sua função pedagógica de alertar para que as pessoas não gastem mais do que o necessário e para que seleccionem a prioridade das despesas, que as autarquias não têm uma política de solos e de licenciamentos que modere a voragem dos construtores e que os bancos quase impingem créditos (além de seguros de todo o tipo, cartões de crédito, serviços de loiça, viagens, etc…) sem curar de aconselhar os clientes em face das suas reais possibilidades, quais abutres de fato e gravata.
Ou seja, temos o Planeta de pantanas pelas alterações climáticas e delapidação de recursos naturais, mas também pelo crescente engrossar da legião dos excluídos e remediados. Os que têm muito são poucos e têm cada vez mais, enquanto aumentam os que menos têm e cada vez mais olham para o lado direito das ementas, nem que seja para ver o preço de uma mísera sopa.
Em suma, sempre defini o mercado como o melhor regulador das trocas e a democracia como o melhor sistema político (ou o menos mau de todos os que se conhecem, como diria Churchill), mas se deixarmos o mercado ir longe demais, a economia controlar a política e se deixarmos as pessoas à beira do desespero, um dia, por muito manietadas que estejam as pessoas darão razão a um populista que troque direitos por estabilidade ou voltarão a ler Marx, Engels e Lenine. Acho, aliás, que só com sintomas destes se explicam as votações expressivas num dos mais reaccionários partidos comunistas da Europa, o PCP…
4 comentários:
Todas as anomalias que cita, são o resultado da privatização do mundo, esta tendo enfraquecido a capacidade normativa dos Estados. A privatização põe sob tutela os parlamentos e os governos. Ela esvazia de toda significação a maioria das eleições e quase todas as vontades populares. Ela priva do seu poder regulador as instituições publicas. Ela assassina a lei.
A globalização veio modificar a organização histórica duma nação que se distinguia pelo facto que o Estado, a sociedade e a economia existiam no interior das mesmas fronteiras nacionais.
A mundialisaçao dos mercados, o sistema económico internacional, no interior do qual os Estados definiam as fronteiras entre comércio interior e comércio exterior, transformou-se em economia transnacional.
A partir dai , o que conta realmente são os movimentos acelerados de capitais no mundo, a avaliação dos lugares de produção mais competitivos e a forma de impor estes produtos ao consumidor. O marketing e a publicidade completam o dispositivo de controlo do cidadao-consumidor.
Neste esquema que pesa o governo ou o próprio Estado ? Nada
Como a tecnologia tende a reduzir a necessidade de mão de obra, os despedimentos em massa constituem um poder de intimidação sem igual dos trabalhadores e dos próprios governos .
O Estado perdeu progressivamente a sua capacidade de estimular o crescimento e perdeu portanto a sua legitimidade.
As bolsa internacionais encarregam-se de avaliar e impor as políticas económicas nacionais, e os governos submetem-se porque o risco de ver fugir os investimentos do pais, é grande.
Por outro lado, a porta é aberta aos benefícios obscenos, aos salários obscenos dos dirigentes, às manipulações especulativas e tudo o mais, o que conduz à perda de credibilidade dos políticos e da democracia , ao mesmo tempo que as condições sociais de uma larga participação política estão destruídas. E a miséria moral, económica e cultural instala-se.
Não posso concordar mais com o Gonçalo. O mundo está ao contrário, principalmente na mente das pessoas.
Hoje em dia, são poucas as pessoas que têm valores, menos ainda as que têm prioridades, e praticamente nenhumas as que têm responsabilidade.
De quem é a culpa? A nossa atitude é consequência da forma como fomos educados. A educação, em primeira instância é dada em casa, mas também somos influenciados pelo que vemos "cá fora".
E o que vemos "cá fora"? Eu vejo uma selva latina. Que receio não ter retorno.
Amigo Freitas Pereira
Creio que, embora com excesso de "grau" para a minha costela mais à direita, tem razão. Sou reformista e, por isso, não abdico do papel regulador do Estado.
O que importa é redignificar o papel das comunidades nacionais na resposta aos desafios globais. Dirijo a organização de umas conferências que falarão sobre o tema e nas quais desafio-o (e ao Luís Melo) a inscrever-se (darei nota, quando estiverem em fase de inscrição).
Já quanto à questão tecnológica, continuo a adorar a frase do Príncipe de Gales, no 350º aniversário de Harvard, que citei no meu livro, onde instou os presentes a “restaurarem o controlo moral sobre as coisas que criam”!
Luís
Se a Educação e a Cultura são a chave, creio que vale a pena lutar, designadamente em espaços como este!... Se formos muitos, faremos a diferença. Por exemplo, dados de hoje (in "Público") mostram que as crianças de hoje voltaram a ler mais.
Será com prazer que aceito o desafio ! Não creio que exista um desvio ( um grau ?) assim tão grande . Eu creio que a famosa assimetria da informação é antes de mais uma assimetria de capital, portanto uma questão de luta de classes.
Para que o ponto de vista dos trabalhadores e o interesse geral se afirmem é preciso uma pressaozinha para a esquerda na e da social democracia no senso largo.
Quem não admite as tais três classes fundamentais do capitalismo já demonstradas por Ricardo à dois séculos ? : os trabalhadores, os empresários, os investidores e os rendeiros.. Só que a renda financeira substituiu a renda empresarial como obstáculo ao desenvolvimento ,como Keynes tinha previsto.
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