terça-feira, 21 de outubro de 2008

Falidos e mal pagos

Seja o termo “subprime”, “recessão” ou “crash bolsista”, o facto é que os governantes continuam a governar – por vezes, até fortalecidos por estarem a salvar-nos, algo que julgava ser a sua obrigação, mesmo antes de a crise eclodir – os gestores (mesmo os que desgraçam empresas) recebem chorudos prémios, no final do ano, e os cidadãos, nas mais diversas partidas do Globo, ficam com alguns problemas para resolver: pôr comida na mesa, enquanto se pagam a casa, os estudos e as contas normais, arranjar um segundo ou um terceiro emprego, não faltar com nada àqueles que deles dependem, enfim, tentar viver, quando cada vez mais apenas parece ser possível sobreviver…


Uma olhadela pelos números do crédito malparado – isto é, pelos índices de incapacidade das pessoas para pagarem os empréstimos que contraem – mostra que muitas pessoas, mantendo o incompreensível vício de se alimentarem, já não conseguem pagar as prestações, no caso mais frequente, das casas. Ora, com um mercado de arrendamento ineficiente, parece-me dramático que o dinheiro não chegue para, ao fim do mês, se paga mais uma quantia por uma casa que, em bom rigor, só será nossa daqui a umas décadas…

E, escrevi-o no passado, se é certo que as pessoas comprar coisas de que não precisam (vários LCD ou plasmas, “n” telemóveis e tantas outras coisas acessórias, mas que a publicidade torna essenciais à nossa felicidade) e que, regra geral, se bastariam com uma casa mais acessível, é bem mais relevante fazer notar que, designadamente em Portugal, os grandes partidos raramente cumprem a sua função pedagógica de alertar para que as pessoas não gastem mais do que o necessário e para que seleccionem a prioridade das despesas, que as autarquias não têm uma política de solos e de licenciamentos que modere a voragem dos construtores e que os bancos quase impingem créditos (além de seguros de todo o tipo, cartões de crédito, serviços de loiça, viagens, etc…) sem curar de aconselhar os clientes em face das suas reais possibilidades, quais abutres de fato e gravata.

Ou seja, temos o Planeta de pantanas pelas alterações climáticas e delapidação de recursos naturais, mas também pelo crescente engrossar da legião dos excluídos e remediados. Os que têm muito são poucos e têm cada vez mais, enquanto aumentam os que menos têm e cada vez mais olham para o lado direito das ementas, nem que seja para ver o preço de uma mísera sopa.

Em suma, sempre defini o mercado como o melhor regulador das trocas e a democracia como o melhor sistema político (ou o menos mau de todos os que se conhecem, como diria Churchill), mas se deixarmos o mercado ir longe demais, a economia controlar a política e se deixarmos as pessoas à beira do desespero, um dia, por muito manietadas que estejam as pessoas darão razão a um populista que troque direitos por estabilidade ou voltarão a ler Marx, Engels e Lenine. Acho, aliás, que só com sintomas destes se explicam as votações expressivas num dos mais reaccionários partidos comunistas da Europa, o PCP…

4 comentários:

freitas pereira disse...

Todas as anomalias que cita, são o resultado da privatização do mundo, esta tendo enfraquecido a capacidade normativa dos Estados. A privatização põe sob tutela os parlamentos e os governos. Ela esvazia de toda significação a maioria das eleições e quase todas as vontades populares. Ela priva do seu poder regulador as instituições publicas. Ela assassina a lei.

A globalização veio modificar a organização histórica duma nação que se distinguia pelo facto que o Estado, a sociedade e a economia existiam no interior das mesmas fronteiras nacionais.

A mundialisaçao dos mercados, o sistema económico internacional, no interior do qual os Estados definiam as fronteiras entre comércio interior e comércio exterior, transformou-se em economia transnacional.

A partir dai , o que conta realmente são os movimentos acelerados de capitais no mundo, a avaliação dos lugares de produção mais competitivos e a forma de impor estes produtos ao consumidor. O marketing e a publicidade completam o dispositivo de controlo do cidadao-consumidor.

Neste esquema que pesa o governo ou o próprio Estado ? Nada

Como a tecnologia tende a reduzir a necessidade de mão de obra, os despedimentos em massa constituem um poder de intimidação sem igual dos trabalhadores e dos próprios governos .

O Estado perdeu progressivamente a sua capacidade de estimular o crescimento e perdeu portanto a sua legitimidade.

As bolsa internacionais encarregam-se de avaliar e impor as políticas económicas nacionais, e os governos submetem-se porque o risco de ver fugir os investimentos do pais, é grande.

Por outro lado, a porta é aberta aos benefícios obscenos, aos salários obscenos dos dirigentes, às manipulações especulativas e tudo o mais, o que conduz à perda de credibilidade dos políticos e da democracia , ao mesmo tempo que as condições sociais de uma larga participação política estão destruídas. E a miséria moral, económica e cultural instala-se.

Luis Melo disse...

Não posso concordar mais com o Gonçalo. O mundo está ao contrário, principalmente na mente das pessoas.

Hoje em dia, são poucas as pessoas que têm valores, menos ainda as que têm prioridades, e praticamente nenhumas as que têm responsabilidade.

De quem é a culpa? A nossa atitude é consequência da forma como fomos educados. A educação, em primeira instância é dada em casa, mas também somos influenciados pelo que vemos "cá fora".

E o que vemos "cá fora"? Eu vejo uma selva latina. Que receio não ter retorno.

Gonçalo Capitão disse...

Amigo Freitas Pereira

Creio que, embora com excesso de "grau" para a minha costela mais à direita, tem razão. Sou reformista e, por isso, não abdico do papel regulador do Estado.

O que importa é redignificar o papel das comunidades nacionais na resposta aos desafios globais. Dirijo a organização de umas conferências que falarão sobre o tema e nas quais desafio-o (e ao Luís Melo) a inscrever-se (darei nota, quando estiverem em fase de inscrição).

Já quanto à questão tecnológica, continuo a adorar a frase do Príncipe de Gales, no 350º aniversário de Harvard, que citei no meu livro, onde instou os presentes a “restaurarem o controlo moral sobre as coisas que criam”!

Luís
Se a Educação e a Cultura são a chave, creio que vale a pena lutar, designadamente em espaços como este!... Se formos muitos, faremos a diferença. Por exemplo, dados de hoje (in "Público") mostram que as crianças de hoje voltaram a ler mais.

freitas pereira disse...

Será com prazer que aceito o desafio ! Não creio que exista um desvio ( um grau ?) assim tão grande . Eu creio que a famosa assimetria da informação é antes de mais uma assimetria de capital, portanto uma questão de luta de classes.
Para que o ponto de vista dos trabalhadores e o interesse geral se afirmem é preciso uma pressaozinha para a esquerda na e da social democracia no senso largo.

Quem não admite as tais três classes fundamentais do capitalismo já demonstradas por Ricardo à dois séculos ? : os trabalhadores, os empresários, os investidores e os rendeiros.. Só que a renda financeira substituiu a renda empresarial como obstáculo ao desenvolvimento ,como Keynes tinha previsto.