Desde as desgarradas ao som de acordeão aos foguetes, das procissões à matança do porco/javali e dos grupos de baile aos amores de verão (com os emigrantes à mistura), há tudo o que lembra a minha meninice com algumas ligações familiares a Nelas, Carregal do Sal e Estoi (Algarve).
Porém, se formos pelo lado menos romântico, também ali está o mais instintivo e primário, o mais lamechas e conformado, o mais mandrião e invejoso do nosso ethos social; dito de outro modo: ali estão muitas das marcas do nosso atavismo nacional.
O que mais me divertiu, todavia, não foi nada disso!... Foi o comportamento das pessoas pseudo-"bem" de Lisboa que assistiam ao filme, numa superfície comercial junto da Praça de Espanha.
A forma como senti escárnio em alguns comentários e risos, deu-me pena de gente que tem de se endividar para ter tudo o que os outros têm e que se mata em filas de trânsito para dizer que "comprou" o que anunciam na TV. Lembrei-me dos cartões de crédito saturados e dos endividamentos excessivos de pessoas que vivem para uma imagem que ninguém preza, porque estereotipada.
Isto para já nem falar em matéria de educação que, apesar de alguma rudeza, é apanágio dos pequenos meios portugueses... Já na sala de cinema lisboeta o que os nossos "sofisticados" de opereta tinham para mostrar era a mais grosseira falta de cuidado, como podia sentir-se nos pontapés nas costas da cadeira, nas pipocas comidas à maneira de uma gárgula ou nas conversas com volume mais próprio de esplanada...
Tenho dito que temos muito para evoluir, mas, descontada a generalização que subjaz à caricatura que aqui faço, entre estagnar em Arganil e evoluir como muito habitante frustrado das grandes urbes, acho que se me despertam saudades do tintol e da bifana (e, já agora, das campanhas eleitorais das décadas de 80 e 90)...
3 comentários:
Espero que os leitores assíduos deste blog não se deixem enganar pela imagem do cartaz do filme e pensem que o teu post é apenas um comentário cinematográfico... pois bem, este post diz muito mais do que isso e diz muito bem!!!
Ao ler o teu post avivei imensas memorias. Sou tripeira, vivo e trabalho no Porto mas tenho a sorte de passar muitos fins-de-semana em Vila Real.A minha ligação à Vila Real nasceu em 1994 qnd os meus pais decidiram vir viver para Vila Real atras de uma melhor qualidade de vida. Sem duvida que o conseguiram: aqui o ar é mais puro, as pessoas sao mais puras, não ha transito mas tambem ha contras como uma semana cultural fraca e nao deixa de ser uma cidade de provincia mesmo com a universidade.
E muitas das situações retradas no post me lembraram as pessoas que vejo e ouço na rua. Avcredito que muitos politicos e mesmo muitos portugueses não conheçam esta realidade tao pura.
Adriana, temo bem que na sua generalidade, os portugueses conheçam as realidades focadas pelo filme. Acontece que teimam em menosprezar e ignorar aquele Portugal ora festivo, ora melodramático, das zonas rurais. É que, tal como diz (e bem) o Gonçalo, é nesses locais que jaz o nosso ethos, é nesses locais que se encontram condensadas as nossas virtudes (humildade, hospitalidade, genuinidade...) mas também os nosso piores defeitos (laxismo, maledicência, cupidez... ) entre tantos outros traços característicos de um Portugal menos urbanizado mas não necessariamente menos civilizado. É que aqui pela capital e por tantas outras cidades portuguesas há quem se arrogue mais civilizado por viver na urbe mas esteja a anos-luz de o ser...
Também recomendo o filme, pese embora considere que podia ter dado um olhar ligeiramente menos tendencioso... E confesso que estranhei a ideia da realização em protagonizar muitas partes do filme - o que se por um lado é inovador, por outro acabou por resultar um pouquinho egocêntrico...
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