quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Coiro Olímpico

Sem futebol "a doer", os portugueses canalizaram atenções e esperança para os jogos olímpicos, nos quais, cada vez menos, o importante não é só competir, dados os astronómicos contratos publicitários dos atletas, as receitas televisivas (que exigem espectáculo), a contabilidade do orgulho pátrio em medalhas e questões políticas, como as que, hoje, opôs Rússia e Geórgia no voleibol feminino de praia (contando já com o bom exemplo prévio de duas atiradoras de ambas as nações que resolveram disparar um forte abraço, no pódio, as jogadoras georgianas - brasileiras de nascença!!! - abraçaram as opositoras russas) ou as que puseram Estados Unidos e China a ver quem atirava melhor ao cesto (descansem os amantes do eixo atlântico, pois foram os moços do Uncle Sam).

E, por falar em política, já aqui mencionei, que, ao que leio e ouço, a China usará estes jogos, mais do que para montra da sua superioridade atlética, como balão de ensaio de um novo modelo de desenvolvimento que corrija os defeitos gritantes da abertura encetada, designadamente ao nível ambiental, cuja má prestação faz com que se abata sobre o colosso asiático uma indesejável atenção mundial e uma comprometedora desvalorização do alegado milagre económico.

Mais ainda, há que conter o consumismo desenfreado (próprio de quem viveu uma vida sem “ter”, no sentido lato da posse) e a inflação que dispara, num clima em que se tolera que se comprem produtos Armani ou BMW (atiro à sorte), mas em que se restringe o acesso à Internet e a liberdade de informação, em geral, e a liberdade de movimentos de chineses e estrangeiros.

E, depois, há o Tibete, a Formosa (Taiwan), a zona muçulmana (junto ao Tajiquistão, ex-república da URSS), a amizade com Mugabe e um série de outros assuntos que fazem com que as atenções se dispersem muito além das pistas, das piscinas e dos tapetes…

Voltando ao início e deixando de lado o aspecto negocial que sempre envolve as grandes competições desportivas da actualidade, olho à questão contabilística e vejo que, à primeira adversidade, lá vai o orgulho nacional. Se o balão do EURO 2008 esvaziou rápido, o dos Jogos Olímpicos de Pequim parece ter rebentado ao encher, com os resultados sofríveis de Telma Monteiro e João Neto (Judo), João Costa e Manuel Silva (Tiro) e Débora Nogueira (Esgrima).

Ora, a mais de se não esperar pelos demais atletas que ainda podem alegrar-nos o mês de Agosto, fica por perceber o grau de exigência que, sem aumentarmos a nossa produtividade laboral para parâmetros de liderança europeia, pomos na vertente desportiva de um País que, ao contrário de outros e como dizia Scolari, tem um espectro de recrutamento de pouco mais de 10 milhões de pessoas (o Brasil e a Rússia, por exemplo, têm quase 20 vezes isso). Dito de outro modo, entendo que o laxismo que preside ao dia-a-dia de muito português se transveste de exigência espartana com os desportistas e os políticos (sendo que estes últimos são apenas lente de aumento das insuficiências do seu povo, já que dele emergem).

E depois ficam por pensar as duas chagas que mais me preocupam: uma é o facto de termos ficado de fora de todos os desportos colectivos olímpicos, com tudo o que isso possa trazer sobre falta de condições de treino e sobre a nossa mentalidade típica.

A outra tem a ver com a circunstância de os analistas a soldo não dizem que o insucesso é a marca mais genuína do País que ainda somos: mandrião, egoísta, invejoso, cinzento e preguiçoso. Dito de outro modo, os sucessos que vamos tendo devem-se em grande parte aos talentos que sempre brotaram erraticamente, ao longo da nossa História.
Nota: a caricatura é daqui.

1 comentário:

telegram disse...

Talvez fosse boa ideia verificar o rácio medalhas/atletas que temos alcançado e repensar o "recrutamento" de atletas para as olimpiadas.
Parece-me que estamos a levar gente a mais para o pouco que trazemos.