segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Não é Abril... mas não deixa de ser oportuno


A 22 de Outubro de 1945, surgia em Portugal a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), através do Decreto-Lei 35.046, que atribuía a este organismo as “funções administrativas e funções de repressão e de prevenção criminal”.
Na realidade, a polícia política do Estado Novo tinha como principal propósito reprimir qualquer tipo de oposição que fosse feita ao regime de Salazar, esse Grande Português.

Volvidos sessenta e dois anos sobre o nascimento da PIDE, muitos – como eu – não conseguem sequer imaginar a realidade brutal que se viveu entre esse período e a Revolução dos Cravos.
Ouvimos, desde novos, os nossos pais falar do clima de desconfiança e a repressão moral, política e social, sem no entanto, saber em que é que tudo isso se traduziu.
Nos manuais, surgem ao de leve as perseguições, os medos e as torturas perpetradas pela PIDE. Uns alunos ficam mais impressionados com as histórias da ditadura, outros limitam-se a pensar que “esse tempo já lá vai”. Consequentemente, a maioria dos jovens de hoje desconhece a gravidade da repressão levada a cabo durante o Estado Novo.
A um primeiro olhar, parece sensato evitar que as gerações do pós-25 de Abril se angustiem com as infelicidades de outrora. Contudo, a inconsequência e a leviandade com que muitos dos nossos jovens encaram o quotidiano, leva-me a crer que talvez não fosse descabido que estes mesmos jovens tivessem real consciência de que “direitos, liberdades e garantias” não são coisa do passado. São conquistas bem recentes.

Com efeito, talvez não seja má ideia recomendar aos mais jovens a visualização d’O Julgamento” de Leonel Vieira. O filme tem passagens terríficas q.b., a denunciar uma PIDE sem escrúpulos (isso já sabíamos…) e sem limites.
Ou vá lá, algo mais soft, mas que logre o mesmíssimo objectivo: sugerir "Conta-me como foi", a excelente série da RTP que retrata o quotidiano português dos anos 60, numa sociedade obscura e fechada sobre si.
Importante, é que as novas gerações saibam estimar a liberdade de que podem hoje usufruir. E que reconheçam as conquistas de Abril e valorizem o que daí se herdou.
Ainda assim, nem mesmo hoje se pode gritar liberdade com toda a veemência que aquele conceito exige.
Casos recentes no nosso pequeno Portugal, como o do prof. Charrua, o de Dalila Rodrigues no Museu de Arte Antiga e outros que tais… comprovam que ainda subsistem resquícios de opressão à pluralidade de ideias.
E já há mesmo quem ouse comparar o governo de Sócrates ao governo de Oliveira Salazar, através do acróstico que por aí circula: “Salazar Outrora Caiu e Regressou Agora Transformado Em Socialista”.
Descomedido... ou nem por isso?

3 comentários:

Gonçalo Capitão disse...

Apesar da brincadeira com piada, o engº Sócrates está longe de desrespeitar a democracia. O que não quer dizer que não tenha que disciplinar os lacaios que querem ser mais papistas do que o Papa.

Acresce que a PIDE deve ser lida no contexto do Estado Novo, que não era uma democracia. Não justificando a polícia secreta de outrora - repugna-me como qualquer força do género - também podemos ver que, graças a Deus, ficou muito áquem da Gestapo, da NKVD (depois KGB), da Stasi, da Securitate e as "primas" que teve por esse mundo fora.

Já falámos, aquando dos "Grandes Portugueses", do regime do doutor Salazar e do que de bom e mau houve. Curioso é ver onde já vai o clamor que na altura proclamava perigo para a nossa democracia...

O teu tiro mais certeiro é mesmo quando aconselhas pedagogia forte junto das novas gerações.

Dulce disse...

Estimado Gonçalo,

Jamais ousaria questionar o respeito que José Sócrates tem perante a nossa democracia.
E jamais me ocorreria igualar a sua governação à governação pré-25 de Abril.
Contudo, é inegável que ao nosso PM afloram, de vez em quando, uns laivos de autoritarismo. E é igualmente inquestionável que a sua postura inflexível q.b é a sua imagem de marca. Positiva ou negativa, isso depende da visão de cada um.
Acresce que os episódios que referi deram azo a uma espécie de conotação de Sócrates e Salazar por parte de alguns cidadãos. Daí que surjam estas “graçolas” que, saliente-se, têm a importância que cada um lhes quiser dar.

Tenho para mim, que o essencial do texto é a tal pedagogia que urge levar a cabo no seio das novas gerações, de forma a que estas possam ter uma real percepção do recente passado do país e, consequentemente, valorizem a democracia em que têm a oportunidade de viver.
Reconheço que terminei o post dando a entender que o nosso PM andará a “pisar o risco”. Contudo, o que queria focar era a ideia de que ‘não manda bem quem tem ânsia de mandar’. É certo que a autoridade é necessária para tutelar um Estado de Direito, mas também é certo que muitas vezes o que se ganha em autoridade, acaba por se perder em liberdade…

Gonçalo Capitão disse...

Dolce ;)

Quanto à pedagogia, já tinhamos acordo. Basta, aliás, confrontarmos os seis textos que escrevi quando o doutor Salazar ganhou "Os Grandes Portugueses".

Quanto ao autorismo alegado de José Sócrates, volto à carga. Entendo, desde logo, que o nosso Primeiro-Ministro tem de ser assim para disciplinar os seus partisans que, à semelhança dos nossos, têm uma certa apetência para se locupletarem com os lugares públicos, assim que os respectivos partidos tomam o poder.

Acresce que, para um povo com uma idiossincrasia "tropical", a mensagem de disciplina e rigor, mesmo que não lhe sirva de exemplo, mostra que o "tipo" não está a brincar nem anda a roubar.

Por fim, entendo que os tiques de que falas são mais fruto de lacaios com execesso de zelo do que inspirações do "Zé".