Hoje em dia, parece ser um dogma de fé do nosso Estado laico.
Atenho-me, por ora, num caso concreto: ainda há não muitos dias, tivemos a notícia de que o Governo exortava os funcionários a denunciar casos de corrupção na Administração Pública, a propósito da edição do guia "Prevenir a Corrupção", pelo Ministério da Justiça.
Até aí, tudo bem... A conduta é um imperativo ético e o locupletamento individual à custa de bens de todos é censurável.
Porém, look closer.
Em primeiro lugar, voltamos à eterna mulher de César (nunca vi senhora tão requisitada...); tal seria um estímulo bem aceite numa sociedade anglo-saxónica ou nórdica, em que o bem-estar comum é algo para que os cidadãos entendem que devem contribuir e de que, pela generosidade das oportunidades de melhorar a sua qualidade de vida (mormente no primeiro caso) ou pela excelência das prestações sociais (prima facie no segundo ambiente), usufruem efectivamente.
Ora, Portugal é um país onde se desconfia (com ou sem razão) de que nem todos os que passaram, estão de passagem ou se eternizam nos lugares políticos e/ou da Administração Pública (em sentido estrito) conseguem explicar a sua fortuna (ou a dos familiares próximos) à luz de salários, dividendos ou heranças do círculo familiar mais chegado, seja aquela feita de betão luso, negócios brasileiros (e garanto-vos que não me dirijo apenas a simpatizantes de um só partido) ou notas a bronzear-se num offshore tropical.
Em segundo lugar, falamos de uma sociedade em que a inveja vence a apreciação do valor de terceiros e em que o compadrio oblitera o mérito. Pedir que se denuncie, eventualmente, um colega é apontar a mira para quem ousar cumprir mais do que o expediente, sendo um verdadeiro assalto à diligência (aqui entendida como qualidade e não como transporte, sublinho).
E como se de provas necessitássemos, leio que o ex-Deputado Fernando Charrua foi suspenso das funções que exercia na DREN (Direcção Reginal de Educação do Norte), há quase 20 anos, por ter contado ao colega de gabinete uma anedota sobre a licenciatura de José Sócrates.
Vamos por partes: por um lado, conheço bem o dr. Fernando Charrua e se ele afirma que contou apenas uma piada, não vejo por que há de valer mais a palavra do colega que, ao que sei, alegou algo de mais ofensivo. Fernando Charrua é um profissional competente e foi daqueles deputados que nunca se negou ao que quer que fosse, desde debates em plenário, passando por trabalho de comissão ou mesmo pelas audiências que se concedem a pessoas e entidades exteriores e para as quais muitos se mostram indisponíveis. Acresce que muito do que sei sobre Educação foi com o dr. Charrua que aprendi, já que, mesmo nos momentos mais assoberbados, nunca faltaram a sua disponibilidade e a sua amizade.
Por outro lado, é preciso verdadeiro espírito de lacaio e uma pitada de cretinice por parte da Directora Regional, Margarida Moreira (pode processar-me criminalmente, se fizer favor), para, no País da sátira (ganhamos muito, mas rimo-nos muito), onde já circularam milhares de e-mails sobre a confusão em torno da licenciatura do Primeiro-Ministro, suspender um dos mais valiosos colaboradores da DREN.
Diz a Directora Regional que "o sr. primeiro-ministro é o primeiro-ministro de Portugal" (in "Público", de 19 de Maio). Digo eu: haverá melhor prova da subserviência da dirigente que prefere o "bufo" ao trabalhador?! Para dizer uma evidência, usa duas vezes o cargo e ainda faz a vénia acrescentando "senhor"...
Por último, aposto convosco que José Sócrates nunca encomendaria um frete destes, antes se suspeitando de vulgar "graxa", bem conhecida, por exemplo, de quem, perdendo eleições, tenha de regressar a mares de autoridade ou capitais públicos... Há vários casos (e também excepções, graças a Deus...) de gente que, julgando prestar um honroso serviço, se entretém a pisar quem perde. Da suspeita não se livra a "Senhora" Directora.
Admitindo que tudo possa vir a esclarecer-se num ou noutro sentido (sendo que, como disse, não posso deixar de acreditar na inocência do meu antigo "Senhor" colega), espero que percebam porque é que, há tempos, escrevi profusamente sobre a vitória de Salazar, no concurso televisivo. Para quem não acreditasse, nos gabinetes da DREN ou como estímulo ético, há traços que não morrem.
5 comentários:
Gonçalo,
já várias vezes estive para abordar este tema (o da política de denúncias) aqui no lodo, mas ainda não tinha conseguido apanhá-lo num ângulo que não soasse a teoria da conspiração :) Isto para dizer que partilho da tua estupefacção. Mais do que isso, preocupa-me este recurso à denúncia! Cheira a fascistas, mas espera.. os fascistas não são os que estão no governo, são os outros!! Que confuso! Ou não.. Já comentei entre amigos e digo-o aqui porque tenho a certeza que a minha patroa não me demite: o José Sócrates tem perfil de ditador.. É uma opinião muito própria e provavelmente sem eco por aí, mas é o que eu penso.
Tudo, desde a atitude dele, a relação com os media, o à vontade com que, em vez de responder aos jornalistas, lhes dá um banho de propaganda! Assumo, isto parece a teoria da conspiração, e oxalá eu esteja enganada, mas este homem não vai ficar por aqui...
Embora eu tenha grande estima pessoal e até amizade pelo actual PM (coisa dos tempos de Assembleia), reconheço que se ao que dizes somares a centralização das polícias e da informação, o controlo sobre os jornalistas via Estatuto e os despudorados ataques à família que o PS prevê ou encoraja no Bloco de Esquerda, podemos estar a braços com algo de sério e de "orwelliano", 23 anos depois da data de capa ("1984").
Voltarei a este tema, no "salão nobre" do "lodo".
O Ministério da Educação recusou a ida da Ministra à Assembleia da República com o argumento de esta só devia pronunciar-se em sede de recurso hierárquico.
Para os menos familiarizados com o Direito Aministrativo, isto quer dizer que Maria de Lurdes Rodrigues, como chefe da Directora Regional, só dirá algo sobre este episódio "pidesco" se houver recurso da "instância" inferior.
Ou seja, o espírito mangas de alpaca sobe até ao topo do ME, num servilismo capaz de comover fantasmas, em Santa Comba Dão...
É óbvio que a questão sub judice é eminentemente política e é nesse âmbito que a Ministra da Educação tem de pronunciar-se, dizendo se concorda ou não com uma "criatura" que entende sancionar administrativamente algo que, na melhor das hipóteses, podia motivar um procedimento criminal pelo ofendido.
Nem colhe a argumentação do Deputado do PS, Luís Fagundes Duarte (pessoa muito correcta e estimável, asseguro-vos), que vem dizer que a imagem dos políticos deve ser preservada. A mais da respeitabilidade dever brotar de uma conduta exemplar da classe política (a maioria dos nossos representantes podia repartir-se entre as Honduras e o Haiti - estou disponível para ser processado...), o enquadramento social aponta para um ambiente mesquinho e satírico que deve dar o "desconto" (a propósito de outras coisas, o Procurador Geral da República reconheceu a importãncia do ambiente social na determinação da política criminal, pelo que...).
Por fim, sendo que a alegação do bufo foi a de que Fernando Charrua comentou a conduta da mãe do PM, no insulto que terá proferido, e já que o acusado diz uma coisa totalmente diversa, fica por saber porque foi tão serventuária a nossa Margarida Moreira (DREN).
Para quando um retrato oficial do PM em cada gabinete?
Conhecendo José Sócrates e simpatizando com o próprio, aposto que ele dispensaria este e outros "lambe-botismos"...
De todo o exposto talvez me escape o que não conheço mas por outro lado, ficou ainda mais preocupada por ter lido este post depois de ter escrito o meu sobre o assunto e de o final ter batido no mesmo ponto... preocupante mesmo pois já não é só uma opinião isolada minha :s
Pode ser impressão nossa, Sara...
;)
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