sexta-feira, 4 de maio de 2012

Celebrando o dia 26

Escutei Mário Soares (o que foi), Manuel Alegre (o que queria ser) e os Capitães de Abril (os que vão sendo) sobre as comemorações do 25 de Abril e não percebi o alarme alimentado pelas televisões…

Desde logo, creio ser inteiramente legítimo e civicamente saudável que figuras conhecidas do panorama político se pronunciem sobre o estado de uma Pátria que é de todos. A abstenção sempre foi, aliás, uma forma de expressão política…

Mas importa perceber que preciosa herança do 25 de Abril estará em jogo para que se agitem os seus alegados donos.

Será a liberdade – a mais propalada jóia da coroa “abrilista” – que corre perigo? Não me parece, pois a democracia portuguesa funciona em pleno. Não se ouvem acusações de fraude eleitoral e os mecanismos constitucionais fornecem adequado sistema de freios e contrapesos, permitindo acorrer a situações de perturbação. Depois, seremos dos países europeus um dos que menos apreço revela por partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda (mesmo o entusiasmo pueril com a encenação bloquista foi corrigida nas últimas eleições).

Ora, não sendo esse o valor em jogo resta-nos ponderar o chamado Estado Social ou a noção de progresso.

Aqui chegados, alguns dizeres à guisa de preâmbulo: é certo que muitos dos fios da teia social que nos amparava em caso de queda estão a ser cortados; sabemos o que perdemos nos salários e subsídios de Natal e férias, nas deduções fiscais, nas reformas, no apoio em caso de despedimento e/ou desemprego, para não falarmos nos aumentos de impostos e tudo aquilo de que precisamos (a começar no escandaloso preço dos combustíveis).

Contudo, se o inventário de maleitas é verídico, já me parece abusivo imputar a sua causa ao rumo do Governo, como fazem as individualidades que boicotaram a evocação do espírito de 1974. Só mesmo por censurável conveniência discursiva ou caducidade intelectual se poderá escamotear o facto de essas forças compressoras do justamente apreciado conforto social europeu serem globais. Este é um jogo nefasto que até os bastiões da ilusão socialista jogam, como pode ver-se pela força económica de Rússia e China.

Dito por outras palavras, seria um exercício estulto pedir a Portugal que reme contra esta maré isoladamente, algo que nos colocaria numa interessante luta pelos padrões de vida observados na Albânia ou no Kosovo, em menos de um fósforo… A solução poderá residir no quadro europeu (veremos se há mudança em França e, posteriormente, na Alemanha) e num subsequente diálogo com EUA e China, mas jamais por um estoicismo poético que, permitindo embora bater no peito e agitar um cravo, levaria ao colapso total de toda e qualquer forma de apoio social que, com as duras reformas em curso, ainda poderá preservar-se.

Encaro, por isso, o boicote como algo normal e saudosista, mas nada mais…

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