quinta-feira, 1 de março de 2012

O que é, o que deve ser e o que quer ser o Sr. Presidente

Em Janeiro do ano passado fiquei satisfeita com a reeleição de Cavaco para a presidência da nossa república. Esta satisfação deveu-se a três pontos essenciais:
Compreender que os candidatos colocados à esquerda do PSD não se apresentariam como o garante da coesão social, mas sim como a voz do descontentamento face às medidas adicionais de contenção orçamental dos PECs apresentados sucessivamente pelo governo socialista. Apesar de discordar com as opções do PS acredito que o presidente se deve demitir de provocar uma discussão mais apaixonada e portanto menos realista quanto à função governativa;
Acreditar que um presidente com experiência governativa de grande alcance (nenhum dos restantes apresentava qualquer função que merecesse realce) teria uma melhor preparação para 1) compreender o alcance das medidas de carácter económico e as dinâmicas daí decorrentes; 2) transmitir as suas opiniões, reservas e observações e contribuir para a fiscalização dos executivos considerando em primeiro lugar o bem nacional;
Finalmente, e em linha com a primeira razão exposta, percepcionar em Cavaco Silva um forte sentido de estado e rectidão de princípios que serviriam a nação tanto nas representações junto de actores internacionais como na transmissão de ideias de esforço, dedicação e honra aos seus concidadãos, que são preciosos na manutenção da coesão social portuguesa.

Sucede que ao longo dos meses do primeiro e segundo mandatos Cavaco demonstrou alguma inconsistência na definição das suas prioridades. Recordo que anunciou uma comunicação aos portugueses em pleno mês de Agosto, que todos aguardaram com expectativa, sabendo depois tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade na definição do estatuto dos Açores, tendo havido perigo na sobreposição de poderes regional e de soberania; recordo também que deixou escapar através da sua assessoria a suspeita de haver toupeiras ou escutas ilegais que beneficiariam o governo Sócrates (já as relações institucionais tinham azedado depois da lua-de-mel dos primeiros 2 anos de convivência democrática). Sobre o primeiro, é ao sentido de estado a que devemos reconhecer esta preocupação transmitida pelo presidente; sobre o segundo, para além de que para o cidadão português a casa civil da presidência se assemelha ao quartel-general de maior importância em território nacional - no sentido figurado, por norma um cidadão não deve fazer acusações ou qualquer insinuação sobre um terceiro. Tendo ainda a responsabilidade de ser a voz do conjunto dos 10 milhões que cá andam, é perceptível a opinião que tenho sobre este assunto.

A determinada altura, e aquando da aprovação do casamento homossexual em Portugal, volta a dirigir-se aos portugueses, com uma expressa necessidade de justificar o não veto ao projecto-lei ao qual é "pessoalmente contra" dizendo que outras questões mais prementes se colocavam no país. Nesta questão não me quero alongar dado que no assunto tem uma complexidade que merece maior reflexão. Mas gostaria de deixar duas notas: a) a constituição de família é pedra basilar nos processos de socialização primária e um dos factores de maior importância da criação da nossa identidade, sendo portanto uma das questões mais importantes a debater no país. A economia é composta por ciclos, enquanto as alterações culturais são permanentes; b) pelo menos 70% do eleitorado que lhe deu o voto nas eleições presidenciais a que se apresentou é tendencialmente conservador.

Algumas semanas antes do início da campanha para as legislativas de 2011, num dos seus menos ortodoxos discursos que fez na posição que ainda ocupa, instigou os portugueses a "sair à rua". Claro que a situação em que o partido socialista colocou o país (entre o pântano de Guterres e a fantasia socrática) é propícia a que os cidadãos se sintam defraudados, mas não compete ao Sr. Presidente apelar aos homens e mulheres a que saiam à rua para contestar o que quer que seja escassos meses após um processo eleitoral (admitindo o fôlego que este discurso deu ao partido a que orgulhosamente pertenço).
Mais recentemente, e não obstante o facto de na qualidade de primeiro-ministro ter tido um dos maiores investimentos em obras públicas necessárias ao desenvolvimento do interior do país, esquecido na década de 80, tem-se colocado na posição de fiel de balança questionando a necessidade e o alcance das medidas propostas pelo governo de coligação - e que se assumem como o cumprimento de objectivos assinados com o conjunto de credores internacionais. Tem-se esforçado por demonstrar compreensão quanto às dificuldades vividas pela classe média, paralelando situações de privação com a sua situação pessoal (uma reforma de €10 000) o que naturalmente ainda não foi digerido pelos portugueses. Mais acrescento, e é este o ponto essencial desta reflexão, que os portugueses têm consciência da dimensão da sua pátria e não precisam de um Chefe de Estado que esbanje compaixão mal-medida. O que nós precisamos é de um Chefe de Estado que nos relembre a cada dia a garra que os filhos de Viriato sempre demonstraram, que nos prove ser capaz de assegurar uma coesão nacional baseada nos princípios da honra, do trabalho e da força que a sociedade civil transporta, que nos relembre de vez em quando da posição histórica de Portugal no Mundo e que invista na promoção da solidariedade entre todos nós. É esta a função do Sr. Presidente no momento actual na nossa república. E julgo que é isto que os seus antecessores históricos esperam também de si. Seria esta a posição de um Rei, consciente da identidade e da força do país mais antigo da Europa.

1 comentário:

Dulce disse...

Excelente retrospectiva sobre este mandato, Tânia.

E o final é ouro sobre azul: "O que nós precisamos é de um Chefe de Estado que nos relembre (..) a garra que os filhos de Viriato sempre demonstraram, (..)da posição histórica de Portugal no Mundo e que invista na promoção da solidariedade entre todos nós."

Nem mais. Há por aí alguém que faça chegar este texto às mãos do Sr. Presidente? :)