quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Nós, chineses europeus


Há alguns meses que vemos debater o futuro do Euro político a par do futuro do Euro económico. Para um país cuja abstenção nas eleições europeias ultrapassa os 60% este é um tema que pouco pode dizer aos seus concidadãos. Pode também, e fruto da contra-informação frequentemente gerada por uma esquerda eurocéptica, causar a confusão e a discórdia entre nós, leigos nestes assuntos, devido à falta de conhecimento das dimensões sociais do enquadramento europeu.
O processo de integração europeia, iniciado em 1948 por franceses e alemães teve um propósito político, o da não agressão entre dois Estados Soberanos preponderantes no centro do continente. Desenvolveu-se nas décadas seguintes na vertente económica com uma das mais antigas perspectivas de relacionamento entre os homens: é através do comércio que mais facilmente se pode evitar a guerra. De tratado em tratado, de entrada em entrada de novos membros no clube da Europa o intuito no Velho Continente passou numa primeira fase de aprofundamento de países com semelhanças civilizacionais evidentes, para numa segunda fase incluir os antigos satélites da URSS que aspiravam a índices de desenvolvimento económico e social semelhantes aos vividos no clube.
Este desenvolvimento natural implicou contingências burocráticas relativas aos processos de votação no parlamento e no conselho difíceis de gerir, tendo-se negligenciado a tarefa de transmitir continuamente aos cidadãos da Europa as implicações do aprofundamento de relações e transferência de competências dos parlamentos nacionais para as instâncias supra-nacionais. Por outro lado, o dos Estados, o enfoque nas uniformizações económicas e financeiras impostas em grande parte pelo Banco Central Europeu fez com que os novos actores políticos se esquecessem (ou parecem fazer esquecer) os propósitos desta União.
Havendo um peso relativo crescente da moeda única europeia face ao dólar nas reservas internacionais, e não se permitindo que o yuan entre na contabilidade internacional - julgo que por razões culturais - o Euro encontra-se numa forte penalização cujo propósito poderá ser o do enfraquecimento da União  devido à geo-estratégia económica dos grupos concorrentes mais fortes (neste caso Estados Unidos e China).
Sobre os Estados Unidos: a manutenção do dólar em baixa comparação com o Euro é uma legítima estratégia de escoamento dos seus produtos no plano internacional, a actuação das agências de notação financeira Moody's e Fitch não obedece a qualquer outro critério para além das mais-valias ansiadas pelos seus accionistas. A frase de Gordon Gekko "Greed is good" aplica-se-lhes na perfeição, sendo a comissão gerada pelos produtos derivados (warrants e cds) a maior motivação. Devo lembrar que são agências que atribuíam notação AAA+ em 2008 à AIG, que em 3 semanas esteve em risco de falir... Tendo as suas sedes organizacionais no continente americano, a difícil burocracia europeia pouco pode fazer.  Ali cada um desempenha o seu papel, portanto.
Sobre China  e a sua crescente importância na Europa: No início da década de 2000 vimos na Europa uma presença constante e crescente de produtos made in china produzidos com baixos custos humanos e tecnológicos e que competiram desonestamente com os seus concorrentes europeus que respeitam as básicas condições de trabalho das equipas producentes. Como sabemos, qualquer economia que pretenda entrar nos mercados secundário e terciário segue uma estratégia de implementação: começa a produção em série, defeituosa e a com uma relação custo/benefício que lhe permita assegurar um escoamento rápido e em grande escala para que posteriormente se possa aperfeiçoar  no mercado mais lucrativo. Na fundação da Mercedes em 1886 ninguém imaginaria que passados 125 anos seriam considerados os carros mais ambicionados no mundo. No sector nacional de calçado, após décadas em que a produção servia as classes B e C na Europa, e com a sua morte anunciada aquando a entrada de concorrentes no espaço Schengen, rapidamente os investidores nacionais redireccionaram o seu negócio apostando na qualidade e marca (Fly London, por exemplo). Pois o que respeita às relações económicas entre a Europa e a China, e sobretudo no que respeita à entrada de produtos chineses no continente, é esta a lógica que tem imperado. Com a diferença essencial de que num continente se respeitam as 8 horas diárias de trabalho, as compensações sociais, o gozo de férias pagas, a protecção à infância e os direitos consagrados na Carta Internacional dos Direitos Humanos. E são os segundos os que hoje se predispõem a comprar a dívida europeia. Naturalmente a troco de maiores concessões no campo económico. E talvez geo-estratégico.
São conquistas da civilização ocidental que, e a continuar no impasse criado pelos decisores europeus, seja por questões de agenda interna ou por entraves burocráticos em processos de decisão, estão comprometidas seriamente a médio prazo na nossa união e cuja responsabilidade é inteiramente nossa. Num mundo que se afirma pela concretização de planos multinacionais e de estabelecimento de blocos regionais (NAFTA, MERCOSUL, ASEAN, União Africana...) cujas prioridades assentam em benefícios aduaneiros e de livre transição de bens de consumo, a União Europeia é a mais eficiente experiência de inclusão da qual resulta o geral aumento das condições de vida dos cidadãos. É também o bloco cuja afirmação se deu em primeiro plano pela lógica kantiana de paz pela lei. E seria também o exemplo a seguir por todos os povos.
O que impede a União Europeia de criar as eurobonds, de baixar (ainda que artificialmente) a sua cotação face ao dólar, de criar critérios de entrada de produtos respeitantes à prática de dumping? O que impede a União de se afirmar no plano internacional como o bloco mais forte económica, social e culturalmente? O que nos impede a nós, portugueses, de afirmar que quer seja a Grécia, a Irlanda, a Itália (e agora os Franceses?) que tenham questões de dívida soberana é um problema relativo num bloco regional onde há a total legitimidade para se agilizarem processos e aprofundar com rapidez e eficácia os planos de harmonização fiscal, financeira e política tão necessários para a sobrevivência saudável do sonho europeu e afirmação internacional?

2 comentários:

Defreitas disse...

O problema crucial da Europa e do Euro é que o Euro nunca existiu realmente. Desde o inicio não foi nada mais que um “deutchsmark” disfarçado, chamado Euro, concedido pelo Mitterrand ao Kohl. Assim como o Banco Central Europeu, o BCE, que não é um Banco Central, mas um organismo de controlo do EUROMARK” para o exclusivo interesse da Alemanha, e verdadeiro predador económico da Europa.

O argumento da inflação de Weimar não é nada mais que um pretexto para modular o EUROMARK para a Alemanha.

Este facto ruína as economias periféricas, economias semi fracas, nunca calibradas para uma moeda tão forte.

A recusa de Merkel sobre o BCE, explica-se muito simplesmente que a Alemanha é incapaz de mudar de modelo na União Europeia, um absorvidor do crescimento dos outros, os seus excedentes fazem os défices do outros, mesmo ao nível do desemprego.

E enquanto o Euro verdadeiro, ajustàvel para todos, não existir, e o BCE não for devolvido aos outros Estados membros da EU; não haverá crescimento.

Freitas Pereira

Gonçalo Capitão disse...

Faltam políticos a sério, Tânia...