terça-feira, 6 de março de 2007

Avestruz banida do Chile

A notícia tem, mais ou menos, um mês, mas é de referir, agora que parece que o aborto é coisa do passado, com as águas apenas agitadas pelo processo legislativo e pela questão de saber se a consulta de dissuasão será ou não compulsiva.

Sempre disse e repito que, sendo favorável à despenalização, sê-lo-ia como plano de contingência, havendo que apostar massivamente na prevenção da gravidez indesejada, designadamente na adolescência, em que os nossos números (a par dos das teenagers de Sua Majestade) puxam para o terceiro-mundismo...
Ora bem a notícia de que falo tem a ver com a decisão política da Presidente do Chile, Michelle Bachelet, de, mesmo contrariando o Tribunal Constitucional, permitir às adolescentes a partir dos 14 anos aceder à contracepção de emergência (leia-se, pílula do dia seguinte), sem autorização dos pais. O requisito a cumprir, quando o pedido é feito nos serviços públicos, é aceitar uma consulta de aconselhamento, o que me parece equilibrado e adequado.
Não vale a pena fingir: a sexualidade começa bem mais cedo do que há 20 anos atrás, cá como na América Latina!
Com um plano estruturado, há que enfrentar o problema, da mesma maneira como deve pensar-se a globalização de comportamentos, em geral; mais do que resistir serodiamente devemos aproveitar as boas oportunidades das novas formas humanas e tecnológicas de comunicar.

E para os conservadores mais autistas limito-me a sublinhar que se trata de UMA presidente, não se tratando de uma visão libertária de infrenes machos latinos. Em Santiago já não se enfia a a cabeça na areia.

10 comentários:

freitas pereira disse...

Excelente "post" e excelente conclusão "dans l'air du temps" ! Pode-se não compreender esta evolução da sociedade mas não deixa de ser inexorável. Com tudo o que isso significa.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Desconhecendo a Constituição do Chile, parece-me bizarro que a Presidente decida ao arrepio de uma declaração de inconstitucionalidade do Tribunal competente.
Uma rapariga de 14 anos está sob a tutela dos pais e uma deste tipo não deveria ficar sob a alçada da adolescente.
A sexualidade começa quando sempre começou, a maioridade começa aos 18 anos. Ou aos 14 não se pode votar, não se pode fumar, não se pode ser prso, mas pode-se abortar, tomar pílulas do dia seguinte em nome da globalização de comportamentos?
O facto de ser uma Presidente é, para mim, indiferente. Não lhe dá mais autoridade moral ou política para decidir.
Parece-me que em Santiago se mete a cabeça no...lodo.

Gonçalo Capitão disse...

Rui, meu bom amigo:

Pois sim... Como somos amigos, procurarei não tocar, nem ao de leve, nas tuas respeitáveis conjecturas éticas.

Porém, desconhecer que a sexualidade começa, em números gerais, muitíssimo mais cedo, é um erro.

Fingir que não há uma coisa que se chama canais temáticos de televisão e outra que se dá pelo nome de Internet, é outro erro.

Julgar que todos os meninos têm pais esclarecidos e com um nível de vida que permite informação, formação e acompanhamento adequados, é um terceiro erro.

Defender que se cavalgue a globalização liberal, na economia e na política, entre outros, com o argumento de que não se lhe pode resistir e depois advogar atitude reacionária (no sentido que tem na ciência política, sublinho) nas atitudes, é um paradoxo e um quarto erro.

Acrescento que a notícia era do jornal "Público" e não tinha dados sobre o conflito entre poder político e judicial.

O que acho é que, em Santiago, se vivem... tempos interessantes...

freitas pereira disse...

A sociedade ideal seria realmente assim. O problema é que a sociedade actual é submetida a forças que não têm nada a ver com a moral nem com a Constituição.
Se a Constituição estivesse adaptada ao mundo moderno no Chile e em toda a parte, seria antes para proteger as populações dos estragos da liberalização do comércio quando este é excessivamente prejudicial à moral precisamente. E o comércio da informação faz parte do mundo moderno. Infelizmente nem todas as populações, nem todas as camadas sociais estão aptas a receber a informação imunda que agrava o problema da sexualidade precoce dos adolescentes.
Quem pode ignorar a influência exercida na sexualisaçao precoce dos adolescentes (ia escrever crianças) pelo "mercado" e pelos seus aliados objectivos que são os jornais, magazines, radio-televisão, Internet, etc., ?.
A ilustre colaboradora deste "blog" Sra. Dulce Alves tratou muito bem este desequilíbrio entre a influência dos média e a dos verdadeiros responsáveis da educação que são os Pais e os Professores.
Quem não viu na publicidade de todas as marcas de lingerie feminina descer mesmo até às crianças de 10 anos, propondo lingerie "sexy"? E na televisão ?
Quantos perigos latentes para as crianças a partir mesmo da nascença em famílias onde a cultura e a educação dos Pais é inexistente. Sub sociedade dos tempos modernos onde mesmo a religião não os protege das tentações e do vicio. Onde a miséria moral e a miséria material, aliadas à promiscuidade e às dificuldades da vida deixam para trás a necessidade de educar.
Quantos perigos na escola mesmo através da influência dos adolescentes da mesma idade, pervertidos pelos mesmos meios de informação já descritos.
Sim, porque sem duvida ,os quatro actores que podem e devem ter uma influência preponderante na educação e na informação dos adolescentes são bem :

- os Pais
- os Professores
- o Corpo médico
- as estruturas sociais de prevenção.

Pode facilmente demonstrar-se que por razoes psicológicas evidentes nem todos os Pais nem todos os Professores designados pelos Pais para educar os filhos sao os mais aptos a abordar facilmente e no momento oportuno, isto é antes das primeiras experiências sexuais, os problemas de contracepção e das precauções necessárias para evitar a gravidez .
Li numa revista inglesa que 72% das adolescentes de menos de 15 anos que se encontram gravidas na escola, (algumas levam os filhos com elas para a escola !,) nunca tinham recebido informação alguma em casa dos Pais !.
Sei que em França um esforço muito grande é feito no sentido de introduzir o corpo médico na escola para desempenhar este papel , já porque o médico habitual da família é raramente consultado por razoes evidentes:
- os jovens ignoram por vezes que o segredo médico profissional existe e que os Pais não têm acesso a esta consulta.
- os jovens não dispõem de meios financeiros para pagar uma consulta.
- as jovens receiam o exame ginecológico.

A confidencialidade, a gratuidade e a proximidade para o acesso dos adolescentes à contracepção permite, segundo parece, de limitar o numero de casos de gravidez nas adolescentes de menos de 15 anos.

Na localidade onde vivo, um protocolo foi estabelecido entre o corpo médico e a escola, que prevê:

- uma participação à informação na escola;
- ausência de exame ginecológico quando a situação clinica não o exige;
- respostas a todas as questões dos adolescentes;
- explicações sobre as modalidades de utilização dos contraceptivos e dos preservativos;
- identificação das prescrições pelo siglo "Info-ado" para que as farmácias possam prosseguir o controle adaptado;
- pagamento directo pela Segurança Social destas consultas.

Todos estes aspectos da precocidade da sexualidade dos adolescentes do mundo de hoje nao pode ser evacuada por simples liçoes de moral, porque como escrito acima, além duma certa demissao ou duma incapacidade dos Pais, a vaga de informaçao que escapa ao controlo do proprio governo duma naçao, obriga este a utilizar todas as soluçoes para limitar os estragos. E infelizmente não é a religião que consegue propor soluções adaptadas ao mundo tal como ele é hoje, a própria Igreja tendo perdido, ela mesmo, certos pergaminhos.

A pílula do 'day after" ( introduzida por lei nas escolas de França por Ségolène Royal, quando estava no governo), faz parte das soluções possíveis.
Talvez seja melhor que ver "crianças" de 14 e 15 anos chegar à escola com os bebés nos carrinhos!

A Presidente do Chile tem razão. Os conservadores do mundo inteiro opõem-se mas não propõem uma solução, salvo a da avestruz !

Com todo o meu respeito e consideraçao para com todos aqueles que têm outras opinioes claro està.

Luis Cirilo disse...

O nao meter a cabeça na areia deve ter a ver com o Santo !
Em Santiago não metem,em S.Caetano...cada vez mais !

freitas pereira disse...

Desculpe Caro Luís Cirilo mas a minha longa ausência da nossa Terra dá como resultado que não "capto" sempre o que se esconde por trás de certas frases:-

1) Quem é S.Caetano (eu só conheço o do triângulo industrial de S.Paulo).

2) Porque é que ele mete a cabeça na areia ? Pratica contracepção ? Utiliza a pílula do dia seguinte ?.

I got lost !

Please explain.

Gonçalo Capitão disse...

Eu dou uma ajuda, Senhor Freitas Pereira:

São Caetano à Lapa é a rua onde se situa a sede nacional do PSD. O resto já sabe, é o nosso Luís Cirilo a confessar a sua profunda admiração (ó Luís, não resisti...) pela liderança do dr. Mendes...

freitas pereira disse...

Senhor Gonçalo, muito obrigado. Eu sou realmente nulo em geografia...

Gonçalo Capitão disse...

Só se for no lado direito do globo político... E mesmo assim, sabe mais do que eu :)

Rui Miguel Ribeiro disse...

Sei que existe a internet, a TV por satélite e a Globalização. Não obstante, subsiste uma diferença enorme de comportamentos e de enquadramentos jurídicos no planeta. E, do meu ponto de vista, é dos pais a responsabilidade última (salvo em casos extremos) de salvaguardar e de decidir pelos seus filhos menores, o que inclui a responsabilidade de os educar/informar.
Também sei que muitos pais, professores, escolas não sabem, não podem ou não querem informar e enquadrar as crianças e os jovens. Nesses casos limite o aparelho judiciário, por iniciativa dos serviços sociais, deve avaliar a capacidade d exercício pleno ou parcial do poder paternal.

P.S. É frequente viver-se tempos interessantes em Santiago. Especialmente quando chove...