segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Encarceramento

Aqui há umas luas dei comigo a especular nesta página sobre a influência que teria tido o colapso da União Soviética no desmando actual da economia de mercado.

Continuo a suspeitar de que, sendo um sistema cruel para os que viveram sob a sua égide, era a sua existência que obrigava as ditas democracias de estilo ocidental a manter padrões elevados de dignidade humana, que serviriam para demonstrar que nós é que sabíamos tratar bem dos nossos.

Sendo que a China está empenhada em, sem desmanchar o sistema político, demonstrar que a versão asiática da economia é tão liberal como as outras, a falta da “cortina de ferro” fez cair o último biombo de pudor que travava a descarada afirmação da posse e da propriedade sobre a própria existência. Somos o que temos, e a maioria de nós tem cada vez menos, pelo que…

…pelo que, entre outras coisas, arriscamo-nos a dar razão à teoria marxista, precisamente pela aplicação desenfreada dos pressupostos da construção teórica que a desmente. Vejamos: é ou não verdade que cada vez menos sujeitos lucram, enquanto os demais definham, contando tostões para pagar bens essenciais como comida, roupa, educação, saúde e habitação? O que nos leva ao jargão comunista e à “apropriação da mais-valia”…

E se a conflitualidade social que vemos nas ruas ainda não é “luta de classes”, nenhum de nós pode dizer que percebeu onde tudo isto vai parar se continuarem a apertar um cinto que, um dia destes, pode tornar-se forca.

Sublinho, entretanto, que não escrevo contra qualquer governo, mas sim sobre a percepção que tenho dos excessos em que caímos na época pantagruélica (em que tudo se comprava e vendia) e na era famélica (a de hoje, como está bem de ver…).

E se, por um lado, antevejo o perigo da recuperação de popularidade por parte de um ideal que, tendo componentes intelectualmente válidas, se provou já irrealizável, por outro lado, assistimos à sorrateira ascensão de outro flagelo: a extrema-direita.

De facto, nos países do Norte e Leste da Europa, integrem ou não os governos e parlamentos, cresce a demagogia populista de partidos tributários de algumas das mais sangrentas atrocidades cometidas em nome de uma ideologia. As razões, a meu ver, nem são tão inexpugnáveis: é muito fácil culpar os “outros” (leia-se imigrantes, mormente se a raça não for a mesma) quando escasseiam os empregos (mesmo quando estes desempenham tarefas que os nacionais se recusam a fazer). Por outro lado, é tão fácil ser adepto das organizações supranacionais (como, por exemplo, a União Europeia) quando a cornucópia jorra, como nacionalista e xenófobo quando chega altura de, nesse quadro, ser solidário… Todavia, a isso chama-se cinismo e cobardia.

E o pior é que o corredor entre estas duas assombrações está cada vez mais estreito…

1 comentário:

freitas pereira disse...

Creio também que a queda da URSS facilitou a vida ao capitalismo mundial. Mas penso que foi sobretudo a aceleração das trocas de bens e serviços à escala mundial, tornados possíveis pela queda dos entraves ao comércio, que precipitou o mundo na situação actual.
A globalização não teria sido possível se os dois blocos continuassem a afrontar-se indirectamente através dos satélites respectivos.
Enquanto que esta bipolarização existiu, as trocas entre os dois blocos eram quase inexistentes, ao passo que elas eram favorecidas no interior de cada bloco, particularmente no bloco ocidental. A necessidade duma "vitrina" para mostrar a diferença entre os dois sistemas era patente, sobretudo em Berlim . Tive a oportunidade de passar esta fronteira várias vezes, antes da queda do muro, no quadro da minha profissão, e verifiquei a atracção exercida pela "vitrina" do oeste. Era uma guerra "fria" sem dúvida.

As coisas mudaram quando o muro caiu e o processo acelerou quando a URSS foi desmantelada. O espaço politico e sobretudo económico, imenso, que se abriu ao bloco ocidental, verdadeiro vencedor da Guerra Fria, permitiu a liberalização do movimento das pessoas, dos bens e serviços a uma escala impressionante. A economia subitamente tornou-se global.

Estimulando o crescimento, sobretudo no ocidente, graças à acção das empresas ocidentais que se lançaram à conquista destes mercados imensos, se bem que economicamente fracos, mas demograficamente grandes.

Aqui vão encontrar uma mão de obra barata, que lhes permitiu deslocalizar a produção, retirando grandes benefícios, e permitindo de continuar a vender produtos mais competitivos no mercado ocidental. No início, não foi tanto a exportação para estes mercados que as seduziu, mas o custo salarial.
E se hoje os trabalhadores franceses de Renault e Peugeot, gritam de desespero contra os automóveis produzidos na Dacia, na Roménia, e na Tchéquia, (e amanha em Tanger )que levaram ao encerramento de fábricas em França, a globalização está na origem da miséria do desemprego criada nos nossos países. Baixar os custos de produção, para aumentar as margens beneficiárias, de maneira considerável, e fechar os olhos ao desemprego de massa que resultou, tal foi a consequência da abertura do mercado..
E por outro lado, também os países ditos de leste puderam introduzir-se nos mercados ocidentais, onde propõem hoje produtos e serviços muito competitivos, sempre graças aos salários mais baixos praticados nestes países e à inexistência de segurança social.

Claro que o avesso da medalha está hoje patente: estes concorrentes , transferem uma parte da miséria que os caracterizava para os nossos países, onde existem leis sociais que obrigam os capitalistas a uma certa decência.

Podemos dizer a mesma coisa dos povos asiáticos, à cabeça dos quais a China e a Índia acabam por ser os borregos da nossa indústria e do nosso nível de vida. O capitalismo internacional não tem estados de alma: o que lhes importa são as margens beneficiárias.

Em conclusão, creio que a queda de l'URSS abriu uma nova oportunidade para o comércio mundial, mas onde o beneficiário é sempre o mesmo: o capitalismo mundial. Porque os trabalhadores, eles, postos em concorrência permanente com povos mais frágeis economicamente, são as verdadeiras vitimas da geopolítica . E isto é verdade na Ásia, também, onde sempre os mesmos exploradores, abandonam agora as cidades da costa do Mar da China, para se instalarem no interior, onde o rebanho é mais manso e pobre. Ou vai para o Vietname ou para o Bangladesh pelas mesmas razoes.

Freitas Pereira