quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Podre

 

Vários casos me conduzem ao pessimismo que, reconheço, tem pautado muito do olhar que sobre a pátria lanço, depois do meu regresso.

            Desde logo, o de Miguel Alves, ex-Presidente da Câmara Municipal de Caminha e agora ex(aleluia)-Secretário de Estado Adjunto do Dr. Costa. Não sei o que mais aprecio na estrambólica novela: se o pagamento do vigésimo quinto ano de renda de um arrendamento inexistente por falta do que arrendar; se a apreciação curricular da empresa e do empresário apostados em tornar os sonhos em filhós (porque em realidade não seria de certeza), a qual, segundo o nosso visionário político, teria feito uma obra virtual de alta qualidade (Guarda) e conseguiu convencê-lo da excelência de outra que só daí a um ano seria idealizada e proposta (Alfandega da Fé); se, por fim, a ligeireza com que se sangram 300 mil euros de portugueses que, presentemente, cortam na alimentação por falta de dinheiro…

            Entre a vocação profética de Ricardo Moutinho (o fazedor e cobrador de sonhos) e o amor ao serviço público do Dr. Alves (só saiu quase que arrancado), a falta de decoro é o maior traço simbiótico que descortino.

            Em segundo lugar, acho poética a declaração de inocência da Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, justificando a atribuição de fundos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) a uma associação administrada pelo marido; a mais de jurar não ter influência sobre a FCT, Elvira Fortunato disse mesmo que o marido não podia ver perigar a sua vida profissional (aparentemente, dependente de fundos públicos) pela circunstância de a mulher ser ministra. Talvez… Contudo, esta podia ter recusado aquele cargo, sabendo que era casada com alguém que, cedo ou tarde pediria fundos a um organismo sob sua tutela. E, dando de barato que não influiu directamente na decisão, gostava que cada um dos Leitores se pusesse na pele de membro da FCT, sabendo que entrou um pedido de apoio do marido da “Chefe”. Dirão os socialistas mais ferozes: eles não sabiam! Respondo eu: sim, sim, e eu sou o Lula da Silva…

            Ser Ministro deve, aliás, ser muito bom… O Ministro da Saúde toma posse ainda como sócio de empresa de consultoria da área da… (adivinhe lá)… isso mesmo, da Saúde! E se estava em dissolução, como alega, a verdade é que estar moribundo é diferente de estar morto e era soberbo que o titular da pasta o soubesse…

            Sem caracteres disponíveis para voltar a Ana Abrunhosa e ao “Ministro Supercola” (a Pedro Nuno ninguém o despega do lugar), concluo com algo que me parece evidente: com excepção “em fase de presunção de inocência” do primeiro caso (que parece ter barbas…), até posso aceitar que os políticos em causa não se apropriaram de fundos, nem atropelaram conscientemente qualquer norma fundamental. Mas deveria existir o pudor de não influenciarem coisas para si próprios ou para a família; deveria a ética republicana de que o PS se faz parecer dono dizer-lhes que para lá da legalidade está a transparência e o rigor pedidos pela “res publica”; deveria o bom senso ensinar o significado de vergonha na cara, em suma.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Começa a fazer sentido

 

        Passando vários anos fora do País, aproveitei para meditar nas questões que muitos de nós (mormente os que, como eu, não têm actividade política) consideramos promessas incumpridas da democracia, que chegou em 1974. Designadamente, atormenta-me não conseguir respostas para algumas questões basilares como sejam a do atraso recorrente em relação a países que nos seguiam na escala de desenvolvimento e a do agravamento grosseiro das desigualdades sociais, nivelando por baixo.

            Tendo dado o meu modestíssimo contributo para uma iniciativa que, espero, conhecerá a luz do dia num futuro próximo, fico, ainda assim, com a sensação de que a explicação reside, em parte não despicienda, em nós próprios enquanto nação. Dito isto, o, hoje em dia, obrigatório aviso de salvaguarda: não me imagino a ser outra coisa que não português e, mais do que provavelmente, terei de me incluir em todos os “pecadilhos” referidos “infra”.

            Usufruindo da possibilidade de a confrontar com a vivência de outras “culturas” (nenhuma delas perfeita, mas todas diferentes), fico com a sensação de que o nosso fado será sempre triste, enquanto não nos envolvermos num processo de mudança de mentalidade ou, como se diz agora, de “chip”. Desde logo, creio que temos a tendência para invejar o sucesso alheio, perdendo preciosos momentos de aprofundamento das nossas virtudes. Se o vizinho compra um carro melhor ou muda para uma urbanização mais cara; se o colega é promovido ou ganha umas coroas extra com uma regalia; se um companheiro (ou camarada, para os praticantes da modalidade) alcança um lugar de destaque – se todas ou alguma destas coisas tiver(em) lugar, dizia –, a tentação de muitos de nós será pensar e até verbalizar uma ideia que atribua esse avanço a amiguismo, “lambe-botismo”, “cunhas”, sorte ou até mesmo a suposições sobre actividades a que, no contexto, atribuímos maior grau de perversidade (atoarda que, pese embora os progressos na igualdade de género, continua a ser “cuspida” contra as nossas concidadãs).

            Ao mesmo passo, esta mesma “dor de cotovelo” alimenta rancores que nos distraem, nos debilitam e nos tornam descrentes.

            E é neste último ponto que entronca uma terceira linha de pensamento: parece-me que não acreditamos no mérito. Em vez de crermos que, trabalhando como os que têm êxito, podemos chegar a outros patamares, preferimos refugiar-nos na azia mencionada. E o pior é que, muitas vezes, temos razão e o sucesso anda divorciado do mérito.

            Neste particular e em quarto lugar, não vale sequer a pena (outras das nossas pechas) passar as culpas para “os tipos do governo” (embora várias vezes apeteça e outras tantas seja merecido), pois eles saem do meio de nós. Enquanto não melhorarmos como todo, pouca será a excelência das partes.

            Por fim, uma última nota: em vez de acreditarmos que podemos ser excelentes quando vemos exemplos de excepcionalidade como o de Cristiano Ronaldo e outros, preferimos conservar o nosso obscurantismo medieval e acreditar em homens providenciais. Assim, será difícil…

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Entre pouca e sem vergonha

Salvo o devido respeito pelas pessoas envolvidas, o recente anúncio por parte do

Primeiro-Ministro de que tenciona privatizar a TAP envolveu um momento inicial de

contenção para evitar grosserias e enxovalhos.


Então o antipatriótico negócio de Passos Coelho que, imagine-se, ousara

privatizar a companhia de bandeira agora é bom?!


Foram precisos milhares de milhões de euros para que Costa e o Ministro-que-

não-quer-perder-o-lugar Santos percebessem que a gestão pública não só pratica preços

caríssimos (exemplos disso mesmo, a Madeira e a Venezuela) como acumula prejuízos

colossais?!


Que seria se fosse um governo de base PSD a gastar rios de dinheiro para chegar

à conclusão de que a decisão do executivo anterior estava correcta? Qualquer coisa

menor do que um mar de demissões não calaria a nossa esquerda, guardiã da moral que

é ou julga ser.


Traz isto também à memória a Caixa Geral de Depósitos, ainda na senda da saga

“socialismo lava mais branco” (salvo seja, referindo-me à habilidade de comunicação):

de que me serve a mim português um banco público com comissões iguais ou mais

caras do que os outros bancos?! A menos que… Se calhar já devia ter percebido que

cada vez menos contamos. É tudo macro e o micro que seja devidamente entretido,

confundido e esmagado pela circunstância, ainda para mais quando os seus gestores se

deixam mansamente desalojar e produzem lucros interessantes para os novos inquilinos.

Com franqueza, o que mais me espanta é a apatia da maioria da população,

provavelmente sufocada pelas contas que não consegue pagar e encandeada pelas

esmolas que o Terreiro do Paço vai lançando seja sob a forma de uns pós de reforma

que iludem os cortes vindouros, seja como ruido imperceptível sobre a factura

energética que só entenderemos quando doer a valer.


Temo que já não haja vergonha… Se a houvesse, logo desde o início, Passos

Coelho (que venceu) não teria sido destronado pelo PS com apoio do BE e do PCP; o

mesmo PS que foge do Chega como o diabo da cruz, sem referir que os nossos

camaradas apoiaram e continuam a apoiar os maiores facínoras à face da Terra.


É este o despudor que leva a aceitar a continuidade de uma Ministra (de cuja

honestidade legal e financeira não duvido) cujo marido concorreu a fundos tutelados ou

administrados pelo seu ministério. Legal? Com certeza. Ético? Eu não aceitaria, mas

depois deste rol, vejo que a minha moral é medieval. Siga a festa, pois,

inequivocamente, gostamos de ser levados por sorrisos e esmolas.

terça-feira, 26 de julho de 2022

Buraco de cor que não posso mencionar

Retomando a “conversa” de há um mês e dado o insano fanatismo a que chegou

o novo fascismo ético, nada melhor do que repetir o mesmo aviso ao “consumidor”:

“para evitar o fácil e já clássico insulto dos camaradas (…): sempre fui e serei contra

qualquer discriminação baseada na orientação sexual, cor da pele, religião ou qualquer

outra característica ou escolha usada para nos dividir artificialmente”. Aliás, a minha

vida pessoal atesta bem estes dizeres.


Dito isto, acompanho com visível angústia as novas ditaduras do “correcto” e do

“moderno” e tudo aquilo que deixou de poder dizer-se. Por exemplo, chegámos a um tal

grau de intolerância que, antes de titular as linhas de hoje com o verdadeiro buraco

negro civilizacional para o qual caminhamos cantando e rindo, ponderei bem sobre os

tons a dar ao dito fenómeno cósmico dado que alguém dirá um dia que Carl Sagan e

Arthur C. Clarke eram racistas. E para a época vindoura não sei bem se não será melhor

dizer que o equipamento da minha Briosa é “afrodescendente”… Obviamente que

brinco com coisas sérias e que satirizo o tema, pois creio ser bem diferente combater o

preconceito (algo que defendo ferozmente) de entrar em paranoias e rever a História.

E eis o ponto: tenho orgulho de que Portugal tenha usado e comercializado

escravos? Nunca. Mas era ou não algo imposto pela força dos impérios e tolerado por

muitos receptores, nessa época? Sim, era. E mais entendo que deve explicar-se nas

escolas e nas televisões para que jamais se torne aceitável.


Aquilo que não compro e não calo é aceitar que toda a nossa História se resume

à escravatura e que não trouxemos incontáveis benefícios ao Mundo com as nossas

navegações; e esse é precisamente o momento que vivemos, já que minorias ruidosas

apoiadas por alguns jornalistas ideologicamente tendenciosos e com cultura de pacotilha

acobardaram a grande maioria que tem uma visão equilibrada da nossa gloriosa

existência como pátria e como nação. Já quase só nos deixam exaltar o nosso

patriotismo quando ganha a Selecção e mesmo assim é melhor darmos graças a Deus

(ademais da preferência pessoal a menção é dedicada aos fascistas do ateísmo

obrigatório) por ter sido de Éder o golo da vitória no Europeu…


Que a palermice revisionista seja bandeira dos que, sob a capa da inclusão,

querem mandar em todos e dos jornalistas libertários da “universidade da Wikipédia”

até percebo e prometo dar-lhes guerra sem quartel. Que essas posições venham de um

deputado que tinha por intelectualmente saudável - que propõe a destruição do

magnífico Padrão dos Descobrimento - ou de uma empresa prestigiada como a HBO –

que chegou a propor a suspensão de uma obra-prima como “E tudo o vento levou” – já

me preocupa a valer.


Perseguirei todos os que apoucam os seus semelhantes por diferenças tão idiotas

como o tom de pele, pois não tem sentido, é maléfico, constitui um crime e é asqueroso.

Contudo jamais negarei a minha História, destruirei os seus símbolos ou apoiarei

ditadorzecos de opereta mascarados de anjos laicos.

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Profetas e anarcas

 

                Começo a sentir que a era presente não acomoda moderados e pragmáticos, dado que alguns dos debates mais recentes nos espalmam entre extremos, qual fino hamburger entre intermináveis camadas de aros de cebola, alface, “pickles”, molhos e pão. Dito de outra forma, a substância do debate social cada vez menos tem espaço para o que realmente interessa: o consenso democraticamente estabelecido.

            Peguemos em dois casos de sinal oposto: as recentes tomadas de posição sobre o aborto nos EUA e no Brasil e aquilo que me começa a parecer proselitismo no que toca ao activismo LGBTQIA+.

            No primeiro caso, uma sensação de neofascismo passou diante do meu discernimento: o Supremo Tribunal dos EUA reverteu a liberdade das mulheres para abortar e uma magistrada brasileira, acompanhada pelo “Pastor” Bolsonaro, defendeu que uma menina de 11 anos que havia sido violada não deveria abortar (a bem da verdade, diga-se que a gravidez era avançada), não obstante ser essa uma situação prevista na lei penal. Recuando a posição antiga que defendi em declaração de voto no Parlamento, num mundo ideal não haveria aborto. O problema é que sempre houve e haverá e, enquanto se não criam suficientes condições sociais para que, fora das situações que a lei dos países civilizados já prevê, tal não suceda, prefiro que quem realmente queira abortar (e admito sem rebuço tentativas de dissuasão, antes da decisão definitiva) o possa fazer em segurança sanitária e com dignidade.

            Entendo, por isso, que as presentes tomadas de posição, estando nós em 2022, representam um retrocesso do ponto de vista da autodeterminação e, sobretudo, da possibilidade de tratar diferentemente situações que não são iguais. Cresce nas Américas e na Europa a legião de “hooligans” de gravata que presumem poder decidir por todos o que, por vezes, só pode ser avaliado em relação a cada um.

            Por outro lado, ao mesmo tempo que uns se ocupam a impor uma ordem, outros visam cumprir o sonho trotskista, marxista e maoista de destruir a ordem moral ocidental (falo em sentido ético geral e não necessariamente religioso), algo que, a meu ver, é uma das várias explicações para o sucesso dos trogloditas mencionados supra.

            Para evitar o fácil e já clássico insulto dos camaradas, comecemos por uma declaração de princípios: sempre fui e serei contra qualquer discriminação baseada na orientação sexual, cor da pele, religião ou qualquer outra característica ou escolha usada para nos dividir artificialmente. Contudo e ao mesmo passo, creio que, respeitada a diferença, tampouco pode a minoria querer adquirir fictício poder maioritário e começar a comandar os demais.

            A minha dúvida – que por razão de espaço, continuarei em próxima ocasião – é, neste particular, se não estaremos a passar do combate ao preconceito ao proselitismo, como se fosse chique, moderno, intelectual ou socialmente mais avançado ter, por exemplo quanto ao sexo, preferências alternativas. O clamor quanto ao novo surto de varíola pode servir-nos de ponto de partida.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

A involução das espécies

 

            Depois de Charles ter teorizado as suas origens, outro Darwin, o Núñez, coloca as espécies no centro das nossas atenções, neste caso, como na generalidade do planeta (da guerra ao clima), no sentido da degradação ou da involução da espécie humana.

            Nada se leia aqui contra o moço que, pelo que vi e dizem, tem realmente jeito para o pontapé-na-bola.

            E, ainda antes da ordem do dia, “mea culpa”, com certeza. Sou dos que “consome” avidamente partidas de futebol, sendo que, até Fevereiro último (altura em que regressei ao País), como não existia a pouca vergonha lusa de distribuir os jogos por três empresas de televisão sem oferecer um pacote de desporto que as reúna (depois digam que somos mais desenvolvidos do que Brasil, Venezuela e África do Sul…), via quase tudo o que podia. Dito de outra maneira, com excepção destes meses desde que regressei, alimentei a cornucópia de dinheiro em que se converteu o futebol actual.

            Esse é o drama que vive, por exemplo, a Briosa: falta dinheiro e influência no Centro de Portugal. Essa também a razão pela qual, cada vez mais, será difícil uma vitória portuguesa na Liga dos Campeões; mesmo com o fracasso (temporário, adivinho) da criação da super liga europeia (num dos últimos assomos de romantismo tolerados aos adeptos), a tendência é multiplicar o número de jogos, aumentando as receitas e diminuindo a importância de um dia feliz dos adversários de menor dimensão (mais frequente na Taça dos Campeões, quando eram rondas eliminatórias), bem como restringir os ditos adversários a empresas da mesma dimensão (sim, empresas; não foi lapso).

            Dinheiro é tudo o que está em jogo para as fábricas de futebol e seus patrocinadores, conduzindo o desporto à exacerbação mediática e os dirigentes a declarações ridículas e poses histriónicas, entrando ainda pela casa adentro comentadores televisivos espumando e ostentando uma fúria quase símia que se torna tanto mais impressionante quando, conhecendo eu um ou dois, são profissionais com responsabilidades elevadas na “vida real” e passam a imagem de cidadãos cordatos.

            Tudo me soa a escalada e os mais recentes episódios de confrontos entre adeptos – seja ou não causa directa determinada partida de futebol – são o corolário lógico da orgia de dinheiro, obscuridade e desmando, continuando a manchar o desporto e a esperança de termos uma sociedade decente.

            Darwin – voltando ao princípio – é um jovem que segue um sonho e tem talento inequívoco, nada havendo a apontar-lhe. O que sim me despertou a atenção foi a coincidência dos nomes e o retrocesso que representa, num mundo repleto de carências e problemas de sustentabilidade, falarmos de 75 a 100 milhões de euros pelo contrato de uma só pessoa. O futebol já não é o desporto do povo; horas e dias das partidas, preços das assinaturas televisivas, dos bilhetes e das camisolas, e as decisões fulcrais são factores para CEOs, agentes e outra gente que não almoça ao nosso lado.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Escrita invisível com tinta laranja

                Chegado há pouco, confesso que estava curioso com o processo sucessório no PSD, depois do fragoroso fracasso do projecto de Rui Rio.

            Sobre o tema havia já lamentado o processo de trituração de talentos em que, há décadas, embarcou o partido, sendo muito difícil a mentes verdadeiramente livres contornarem as exigências de “chefes de blocos” que toleram com dificuldade individualidades sem prévia genuflexão.

            Claro que, como em tudo, há excepções quer do lado das personalidades bem-sucedidas quer do lado do “aparelho”, mas registo, no entanto, alguma rarefacção nas opções; onde antes havia fartura de opções de dimensão nacional e legiões de apoiantes conhecidos, hoje o leitor lutará arduamente para nomear meia-dúzia de rostos que ladeiem os protocandidatos.

            E neste ponto – a popularidade dos rostos perfilados – reside um aparente paradoxo: ao mesmo tempo que lamento a falta de personalidades conhecidas e reconhecidas na disputa (mormente se nos lembrarmos dos tempos do PSD até final da primeira década deste século), é de reconhecer que os que contornam minimamente a via-sacra e a vénia pedida pela máquina são, precisamente, os que logram ditar, com um mínimo de autonomia, o rumo a seguir.

            Aqui chegados, impõe-se uma ressalva: sem aparelho partidário não há - nem nunca teria havido – individualidades. O que discuto é a ideia (oxalá esteja errado) de que os órgãos de circunscrição foram expandindo competências, promovendo o distanciamento de muitos valores da sociedade portuguesa indisponíveis para trocar carreiras de êxito por cadernos de encargos que acrescem à necessária dedicação à participação cívica.

            Mas falemos então do processo em curso: até agora, leio que há um candidato a quem se promete um passeio olímpico e vários outros que podem assegurar um espaço para batalhas futuras. Sendo cedo, apreciaria, não obstante, conhecer ideias e sobretudo o plano de recuperação do PSD, com uma análise e interpretação do último naufrágio como ponto de partida, preferivelmente não limitadas à fulanização em Rio, por muito que neste possa residir parte da explicação.

            Seria de aplaudir o surgimento de projectos empolgantes, mobilizadores e eficazmente comunicados, e não frases sobre os dias que faltam para decidir ou sobre as condições para avançar. Do que os militantes do PSD, em particular, e os eleitores, em geral, necessitam é de saber quem e a razão pela qual avança, sob pena de se eternizar o PS como o maior partido nacional e de continuarmos a ver a manta a encolher à direita.

terça-feira, 1 de março de 2022

Focinho de porco não é tomada

 No momento em que escrevo ainda decorrem conversações entre Ucrânia e Rússia. Contudo, o que digo, em meu entender, permanecerá válido.

Devo dizer que fui presidente do grupo parlamentar de amizade Portugal-Rússia e que aprecio muito este paíse o seu povo. Porém, há valores que são inegociáveis – entre eles, a autodeterminação e a democracia – e há coisas que, por firmes que sejam as justificações dadas(aproximação da NATO e alegada criação “administrativa”da Ucrânia), permanecem inaceitáveis; um focinho de porco pode ser parecido mas nunca será uma tomada…

Afirmo, portanto, que condeno veementemente a invasão russa, que vejo como um crime. Dito isto, sem embargo, apreciemos o outro lado da moeda: em primeiro lugar, noutro momento haverá que ver quem andou a estimular os bravos ucranianos com a adesão à NATO, para depois invocar a sua não integração como pretexto para não intervir.

Por outro lado, entendo que a política externa da União Europeia continua a ser obesa e flácida. Obesa porque se move com dificuldade: ante as ameaças de Putin à Suécia e à Finlândia, a única reacção de uma “senhora” respeitável era um repúdio mais veemente e mesmo uma mobilização militar fronteiriça imediata (quando há vontade, os caminhos jurídicos desenham-se) para mostrar a Putin que não faz farinha com uma Europa unida.Flácida porque pouco firme: Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, afirmou que as presentes sanções aos oligarcas russos que usam dinheiro sujo vão castigar a Rússia. Pois bem, se já se sabia, por que razão foi necessário esperar uma invasão para actuar? 

Por fim, algumas palavras sobre figuras tristes: o primeiro “limão” vai para a FIFA e a UEFA que, cada vez mais, se afirmam como comerciantes. A selecção russa pode jogar, mas sem hino e nome do país?! Mesmo que corrijam, a palhaçada está feita.

Por fim, vergonha nacional pela posição do PCP que, sendo um achado jurássico-estalinista no contexto europeu, beneficia de uma tolerância que não entendo, mesmo se olhado o 25 de Abril; se fosse pelos nossos camaradas tínhamos acabado como lacaios da União Soviética. Este é o mesmo partido que apoiou o golpe de Yanayev contra Gorbatchev, recebeu e lamentou a morte de Fidel Castro, defende as qualidades do regime norte-coreano e aplaude Maduro. A própria complacência com o comunismo só pode justificar-se com o facto de a URSS estar entre os vencedores da II Guerra Mundial. Seria bom que os nossos políticos dessem menos atenção aos desventurados que a não merecem e se concentrassem também nesta moralmente abjecta peça de museu.

Deixo, no entanto, um sublinhado final para os louváveis exemplos de solidariedade para com a Ucrânia por parte das democracias e dos povos ocidentais, de muitos astros da música e do desporto e mesmo de muitos cidadãos russos.

A Putin resta-lhe deixar de disfarçar e assumir-se como ditador puro e duro, dado que não creio que mesmo seu povo apoie esta criminosa conduta.