quinta-feira, 30 de junho de 2022

Profetas e anarcas

 

                Começo a sentir que a era presente não acomoda moderados e pragmáticos, dado que alguns dos debates mais recentes nos espalmam entre extremos, qual fino hamburger entre intermináveis camadas de aros de cebola, alface, “pickles”, molhos e pão. Dito de outra forma, a substância do debate social cada vez menos tem espaço para o que realmente interessa: o consenso democraticamente estabelecido.

            Peguemos em dois casos de sinal oposto: as recentes tomadas de posição sobre o aborto nos EUA e no Brasil e aquilo que me começa a parecer proselitismo no que toca ao activismo LGBTQIA+.

            No primeiro caso, uma sensação de neofascismo passou diante do meu discernimento: o Supremo Tribunal dos EUA reverteu a liberdade das mulheres para abortar e uma magistrada brasileira, acompanhada pelo “Pastor” Bolsonaro, defendeu que uma menina de 11 anos que havia sido violada não deveria abortar (a bem da verdade, diga-se que a gravidez era avançada), não obstante ser essa uma situação prevista na lei penal. Recuando a posição antiga que defendi em declaração de voto no Parlamento, num mundo ideal não haveria aborto. O problema é que sempre houve e haverá e, enquanto se não criam suficientes condições sociais para que, fora das situações que a lei dos países civilizados já prevê, tal não suceda, prefiro que quem realmente queira abortar (e admito sem rebuço tentativas de dissuasão, antes da decisão definitiva) o possa fazer em segurança sanitária e com dignidade.

            Entendo, por isso, que as presentes tomadas de posição, estando nós em 2022, representam um retrocesso do ponto de vista da autodeterminação e, sobretudo, da possibilidade de tratar diferentemente situações que não são iguais. Cresce nas Américas e na Europa a legião de “hooligans” de gravata que presumem poder decidir por todos o que, por vezes, só pode ser avaliado em relação a cada um.

            Por outro lado, ao mesmo tempo que uns se ocupam a impor uma ordem, outros visam cumprir o sonho trotskista, marxista e maoista de destruir a ordem moral ocidental (falo em sentido ético geral e não necessariamente religioso), algo que, a meu ver, é uma das várias explicações para o sucesso dos trogloditas mencionados supra.

            Para evitar o fácil e já clássico insulto dos camaradas, comecemos por uma declaração de princípios: sempre fui e serei contra qualquer discriminação baseada na orientação sexual, cor da pele, religião ou qualquer outra característica ou escolha usada para nos dividir artificialmente. Contudo e ao mesmo passo, creio que, respeitada a diferença, tampouco pode a minoria querer adquirir fictício poder maioritário e começar a comandar os demais.

            A minha dúvida – que por razão de espaço, continuarei em próxima ocasião – é, neste particular, se não estaremos a passar do combate ao preconceito ao proselitismo, como se fosse chique, moderno, intelectual ou socialmente mais avançado ter, por exemplo quanto ao sexo, preferências alternativas. O clamor quanto ao novo surto de varíola pode servir-nos de ponto de partida.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

A involução das espécies

 

            Depois de Charles ter teorizado as suas origens, outro Darwin, o Núñez, coloca as espécies no centro das nossas atenções, neste caso, como na generalidade do planeta (da guerra ao clima), no sentido da degradação ou da involução da espécie humana.

            Nada se leia aqui contra o moço que, pelo que vi e dizem, tem realmente jeito para o pontapé-na-bola.

            E, ainda antes da ordem do dia, “mea culpa”, com certeza. Sou dos que “consome” avidamente partidas de futebol, sendo que, até Fevereiro último (altura em que regressei ao País), como não existia a pouca vergonha lusa de distribuir os jogos por três empresas de televisão sem oferecer um pacote de desporto que as reúna (depois digam que somos mais desenvolvidos do que Brasil, Venezuela e África do Sul…), via quase tudo o que podia. Dito de outra maneira, com excepção destes meses desde que regressei, alimentei a cornucópia de dinheiro em que se converteu o futebol actual.

            Esse é o drama que vive, por exemplo, a Briosa: falta dinheiro e influência no Centro de Portugal. Essa também a razão pela qual, cada vez mais, será difícil uma vitória portuguesa na Liga dos Campeões; mesmo com o fracasso (temporário, adivinho) da criação da super liga europeia (num dos últimos assomos de romantismo tolerados aos adeptos), a tendência é multiplicar o número de jogos, aumentando as receitas e diminuindo a importância de um dia feliz dos adversários de menor dimensão (mais frequente na Taça dos Campeões, quando eram rondas eliminatórias), bem como restringir os ditos adversários a empresas da mesma dimensão (sim, empresas; não foi lapso).

            Dinheiro é tudo o que está em jogo para as fábricas de futebol e seus patrocinadores, conduzindo o desporto à exacerbação mediática e os dirigentes a declarações ridículas e poses histriónicas, entrando ainda pela casa adentro comentadores televisivos espumando e ostentando uma fúria quase símia que se torna tanto mais impressionante quando, conhecendo eu um ou dois, são profissionais com responsabilidades elevadas na “vida real” e passam a imagem de cidadãos cordatos.

            Tudo me soa a escalada e os mais recentes episódios de confrontos entre adeptos – seja ou não causa directa determinada partida de futebol – são o corolário lógico da orgia de dinheiro, obscuridade e desmando, continuando a manchar o desporto e a esperança de termos uma sociedade decente.

            Darwin – voltando ao princípio – é um jovem que segue um sonho e tem talento inequívoco, nada havendo a apontar-lhe. O que sim me despertou a atenção foi a coincidência dos nomes e o retrocesso que representa, num mundo repleto de carências e problemas de sustentabilidade, falarmos de 75 a 100 milhões de euros pelo contrato de uma só pessoa. O futebol já não é o desporto do povo; horas e dias das partidas, preços das assinaturas televisivas, dos bilhetes e das camisolas, e as decisões fulcrais são factores para CEOs, agentes e outra gente que não almoça ao nosso lado.