quinta-feira, 24 de março de 2022

Escrita invisível com tinta laranja

                Chegado há pouco, confesso que estava curioso com o processo sucessório no PSD, depois do fragoroso fracasso do projecto de Rui Rio.

            Sobre o tema havia já lamentado o processo de trituração de talentos em que, há décadas, embarcou o partido, sendo muito difícil a mentes verdadeiramente livres contornarem as exigências de “chefes de blocos” que toleram com dificuldade individualidades sem prévia genuflexão.

            Claro que, como em tudo, há excepções quer do lado das personalidades bem-sucedidas quer do lado do “aparelho”, mas registo, no entanto, alguma rarefacção nas opções; onde antes havia fartura de opções de dimensão nacional e legiões de apoiantes conhecidos, hoje o leitor lutará arduamente para nomear meia-dúzia de rostos que ladeiem os protocandidatos.

            E neste ponto – a popularidade dos rostos perfilados – reside um aparente paradoxo: ao mesmo tempo que lamento a falta de personalidades conhecidas e reconhecidas na disputa (mormente se nos lembrarmos dos tempos do PSD até final da primeira década deste século), é de reconhecer que os que contornam minimamente a via-sacra e a vénia pedida pela máquina são, precisamente, os que logram ditar, com um mínimo de autonomia, o rumo a seguir.

            Aqui chegados, impõe-se uma ressalva: sem aparelho partidário não há - nem nunca teria havido – individualidades. O que discuto é a ideia (oxalá esteja errado) de que os órgãos de circunscrição foram expandindo competências, promovendo o distanciamento de muitos valores da sociedade portuguesa indisponíveis para trocar carreiras de êxito por cadernos de encargos que acrescem à necessária dedicação à participação cívica.

            Mas falemos então do processo em curso: até agora, leio que há um candidato a quem se promete um passeio olímpico e vários outros que podem assegurar um espaço para batalhas futuras. Sendo cedo, apreciaria, não obstante, conhecer ideias e sobretudo o plano de recuperação do PSD, com uma análise e interpretação do último naufrágio como ponto de partida, preferivelmente não limitadas à fulanização em Rio, por muito que neste possa residir parte da explicação.

            Seria de aplaudir o surgimento de projectos empolgantes, mobilizadores e eficazmente comunicados, e não frases sobre os dias que faltam para decidir ou sobre as condições para avançar. Do que os militantes do PSD, em particular, e os eleitores, em geral, necessitam é de saber quem e a razão pela qual avança, sob pena de se eternizar o PS como o maior partido nacional e de continuarmos a ver a manta a encolher à direita.

terça-feira, 1 de março de 2022

Focinho de porco não é tomada

 No momento em que escrevo ainda decorrem conversações entre Ucrânia e Rússia. Contudo, o que digo, em meu entender, permanecerá válido.

Devo dizer que fui presidente do grupo parlamentar de amizade Portugal-Rússia e que aprecio muito este paíse o seu povo. Porém, há valores que são inegociáveis – entre eles, a autodeterminação e a democracia – e há coisas que, por firmes que sejam as justificações dadas(aproximação da NATO e alegada criação “administrativa”da Ucrânia), permanecem inaceitáveis; um focinho de porco pode ser parecido mas nunca será uma tomada…

Afirmo, portanto, que condeno veementemente a invasão russa, que vejo como um crime. Dito isto, sem embargo, apreciemos o outro lado da moeda: em primeiro lugar, noutro momento haverá que ver quem andou a estimular os bravos ucranianos com a adesão à NATO, para depois invocar a sua não integração como pretexto para não intervir.

Por outro lado, entendo que a política externa da União Europeia continua a ser obesa e flácida. Obesa porque se move com dificuldade: ante as ameaças de Putin à Suécia e à Finlândia, a única reacção de uma “senhora” respeitável era um repúdio mais veemente e mesmo uma mobilização militar fronteiriça imediata (quando há vontade, os caminhos jurídicos desenham-se) para mostrar a Putin que não faz farinha com uma Europa unida.Flácida porque pouco firme: Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, afirmou que as presentes sanções aos oligarcas russos que usam dinheiro sujo vão castigar a Rússia. Pois bem, se já se sabia, por que razão foi necessário esperar uma invasão para actuar? 

Por fim, algumas palavras sobre figuras tristes: o primeiro “limão” vai para a FIFA e a UEFA que, cada vez mais, se afirmam como comerciantes. A selecção russa pode jogar, mas sem hino e nome do país?! Mesmo que corrijam, a palhaçada está feita.

Por fim, vergonha nacional pela posição do PCP que, sendo um achado jurássico-estalinista no contexto europeu, beneficia de uma tolerância que não entendo, mesmo se olhado o 25 de Abril; se fosse pelos nossos camaradas tínhamos acabado como lacaios da União Soviética. Este é o mesmo partido que apoiou o golpe de Yanayev contra Gorbatchev, recebeu e lamentou a morte de Fidel Castro, defende as qualidades do regime norte-coreano e aplaude Maduro. A própria complacência com o comunismo só pode justificar-se com o facto de a URSS estar entre os vencedores da II Guerra Mundial. Seria bom que os nossos políticos dessem menos atenção aos desventurados que a não merecem e se concentrassem também nesta moralmente abjecta peça de museu.

Deixo, no entanto, um sublinhado final para os louváveis exemplos de solidariedade para com a Ucrânia por parte das democracias e dos povos ocidentais, de muitos astros da música e do desporto e mesmo de muitos cidadãos russos.

A Putin resta-lhe deixar de disfarçar e assumir-se como ditador puro e duro, dado que não creio que mesmo seu povo apoie esta criminosa conduta.