Começo a sentir
que a era presente não acomoda moderados e pragmáticos, dado que alguns dos
debates mais recentes nos espalmam entre extremos, qual fino hamburger entre
intermináveis camadas de aros de cebola, alface, “pickles”, molhos e pão. Dito de outra forma, a substância do debate
social cada vez menos tem espaço para o que realmente interessa: o consenso
democraticamente estabelecido.
Peguemos em dois casos de sinal
oposto: as recentes tomadas de posição sobre o aborto nos EUA e no Brasil e
aquilo que me começa a parecer proselitismo no que toca ao activismo LGBTQIA+.
No primeiro caso, uma sensação de
neofascismo passou diante do meu discernimento: o Supremo Tribunal dos EUA reverteu
a liberdade das mulheres para abortar e uma magistrada brasileira, acompanhada
pelo “Pastor” Bolsonaro, defendeu que uma menina de 11 anos que havia sido
violada não deveria abortar (a bem da verdade, diga-se que a gravidez era
avançada), não obstante ser essa uma situação prevista na lei penal. Recuando a
posição antiga que defendi em declaração de voto no Parlamento, num mundo ideal
não haveria aborto. O problema é que sempre houve e haverá e, enquanto se não
criam suficientes condições sociais para que, fora das situações que a lei dos
países civilizados já prevê, tal não suceda, prefiro que quem realmente queira abortar
(e admito sem rebuço tentativas de dissuasão, antes da decisão definitiva) o
possa fazer em segurança sanitária e com dignidade.
Entendo, por isso, que as presentes tomadas
de posição, estando nós em 2022, representam um retrocesso do ponto de vista da
autodeterminação e, sobretudo, da possibilidade de tratar diferentemente
situações que não são iguais. Cresce nas Américas e na Europa a legião de “hooligans” de gravata que presumem poder
decidir por todos o que, por vezes, só pode ser avaliado em relação a cada um.
Por outro lado, ao mesmo tempo que
uns se ocupam a impor uma ordem, outros visam cumprir o sonho trotskista,
marxista e maoista de destruir a ordem moral ocidental (falo em sentido ético
geral e não necessariamente religioso), algo que, a meu ver, é uma das várias
explicações para o sucesso dos trogloditas mencionados supra.
Para evitar o fácil e já clássico
insulto dos camaradas, comecemos por uma declaração de princípios: sempre fui e
serei contra qualquer discriminação baseada na orientação sexual, cor da pele,
religião ou qualquer outra característica ou escolha usada para nos dividir
artificialmente. Contudo e ao mesmo passo, creio que, respeitada a diferença,
tampouco pode a minoria querer adquirir fictício poder maioritário e começar a
comandar os demais.
A minha dúvida – que por razão de
espaço, continuarei em próxima ocasião – é, neste particular, se não estaremos
a passar do combate ao preconceito ao proselitismo, como se fosse chique,
moderno, intelectual ou socialmente mais avançado ter, por exemplo quanto ao
sexo, preferências alternativas. O clamor quanto ao novo surto de varíola pode
servir-nos de ponto de partida.
Sem comentários:
Enviar um comentário