Sempre fui um admirador das qualidades pessoais e políticas de Pedro
Passos Coelho, desde os tempos em que me liderou na JSD. Creio mesmo que a sua
determinação férrea (a roçar a obstinação, por vezes) já valeu de muito a
Portugal, nestes tempos difíceis. Qualquer líder mais permeável a pressões
partidárias internas ou com inclinação narcisista já teria vacilado e,
consequente e matematicamente, deitado por terra o esforço heróico dos
portugueses.
Porém, há um ponto em que teria seguido um trilho diferente: a venda da
já célebre – embora pelos maus motivos – colecção Miró. Com passagem por vários
estilos e artes, Joan Miró é comummente dito um surrealista e as suas obras são
altamente apreciadas e fartamente cotadas nos circuitos artísticos
internacionais. Penso, todavia, que o surrealismo é estimável na arte, mas não
tanto na política cultural e, aqui, temos o cerne da minha respeitosa
discordância.
Desde logo, se entendo a Cultura como algo essencial para o bem-estar
individual de cada pessoa e para a auto-estima de um povo (ainda que se trate
de um acervo de origem estrangeira, seria detido por nós, sendo, ademais, que a
arte é universal), conservar esta colecção desencantada no fundo do abismo que
o BPN abriu nas contas de todos nós seria uma homenagem a uma valorosa gente
que tanto tem sofrido, entre outras coisas, para pagar tão obscuro negócio
bancário.
Acresce que, bem anunciada, a decisão de criar um museu ou de repartir as
obras pelos museus existentes seria uma bem acolhida e refrescante novidade no
tétrico alinhamento dos noticiários actuais, que se fazem, predominantemente,
de crises, guerras e temporais…
Vem depois a pedra de toque do Governo: os milhões a arrecadar. Muda, ab initio, a perspectiva se, como deve
ser, se vir a Cultura como um investimento e não como um gasto, pelos motivos
aduzidos. Contudo, nem é preciso pedir tanta “alma” aos decisores; mesmo
economicamente, com as entradas a cobrar e com os empréstimos a museus
estrangeiros (remunerados ou à troca de empréstimos que proporcionam exposições
com entradas pagas), a colecção acabaria por se pagar a si própria com a
indemnização à leiloeira e tudo o mais. Demoraria? Com certeza, mas uma decisão
deste jaez deve considerar as gerações futuras.
Considero muito acertada, por isso, a decisão da Procuradora-Geral da
República de combater judicialmente a venda daquilo que designou com acerto de
“património nacional”. Numa decisão sábia, ou muito me engano ou já deteve a
alienação por largo tempo (a incerteza é rainha nos próximos meses ou anos).
Durante este tempo, a meu ver, recuar seria prova de força e não de fraqueza,
politicamente falando.
Sinceramente, termino com uma nota de tristeza pelas palavras que escutei
do meu amigo e Secretário de Estado, Jorge Barreto Xavier. Pelos vistos, ainda
não será ele a dar um murro na mesa contra a ditadura da Economia sobre a
Política e a Cultura…
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