Depois de, na semana passada, ter expressado a minha tristeza pela
reiterada intenção de alienação do acervo Miró constante do património do BPN a
liquidar, volto à área cultural para relatar-vos uma experiência apaixonante
que estamos a ter na Venezuela: o concerto “Algo Eléctrico”, que vai ter lugar
no próximo domingo, no Centro Português de Caracas, e que partiu de uma base de
financiamento público igual a zero.
Ao concebermos este concerto procurámos ilustrar uma relação entre dois
países e dois povos que, a nosso ver, vai muito para além dos limites estritos
da política e da economia, entrando mar adentro por oceanos de cultura em que
os povos venezuelano e português são, há muito, companheiros de viagem.
Esta ideia é transmitida pelo cruzamento que se fará entre maestros e
compositores. A mais de dar a conhecer à audiência maioritariamente portuguesa
os compositores clássicos de Portugal e Venezuela, de uma forma pedagógica,
simboliza-se a universalidade da cultura ao solicitar ao Maestro Osvaldo
Ferreira (Portugal) que dirija as obras venezuelanas (de Evencio Castellanos e
de António Lauro) e ao Maestro Régulo Stabilito que o faça em relação às
composições portuguesas (de Joly Braga Santos e de Luís de Freitas Branco), bem
assim como ao adoptar como executante comum a mundialmente prestigiada
Orquestra Sinfónica da Venezuela.
À medida que a ideia tomava corpo, ficava a sensação de que faltava um
traço final para acabar de pintar o quadro musical que queríamos oferecer ao
público. Eis, então, que ele nos aparece com a inclusão do conhecido músico
venezuelano Pedro Castillo (conquistou fama como vocalista da banda Aditus, nos
anos 90), cujo tema “Algo Eléctrico” ilustra a relação harmoniosa e de perfeita
integração dos portugueses que emigraram para a Venezuela e das gerações
subsequentes (algo que nem sempre se passa com as nossas Comunidades da
diáspora), na tal mescla de culturas que ultrapassa todas as fronteiras. Como
diz a letra da canção que empresta o mote para a tarde cultural de domingo:
“Pregunté a los
grandes entendidos
Y ellos no entienden lo que trato de explicar
No razono ni escucho, tú me has cambiado mucho
esto tiene que ser electricidad
Y ellos no entienden lo que trato de explicar
No razono ni escucho, tú me has cambiado mucho
esto tiene que ser electricidad
Hay algo
eléctrico entre tú y yo
que no sabemos como aparecio
Es algo eléctrico entre tú y yo
tú y yo, tú y yo”
que no sabemos como aparecio
Es algo eléctrico entre tú y yo
tú y yo, tú y yo”
Coroando desta forma um desafio
que convida um venezuelano a explicar a herança clássica portuguesa e
vice-versa, dá-se uma banda sonora a uma relação sentida que vai muito além do
explicável por palavras, já que há, efectivamente, “algo eléctrico” entre os
dois povos e suas culturas.
O que destaco é o facto de
Centro Português de Caracas, Orquestra Sinfónica da Venezuela, EDP, CGD e BPI
terem dado mãos a uma Embaixada cujo o investimento material foi muitíssimo
residual, cabendo-nos o gozo e o orgulho de “inventar” o espectáculo. Dito de
outra forma: há sempre corrente para dar energia à nossa Cultura, assim havendo
determinação.