Peço a permissão de entrar porque a discussão parece não ter ainda terminado entre os dois amigos! Curiosamente, dois membros do mesmo partido, debatem à volta do problema crucial dos nossos tempos: justiça e economia. Duas sensibilidades afrontam-se ao mesmo tempo. Interessante!
São legião aqueles que defendem a ideia dominante segundo a qual a crise seria devida à irresponsabilidade dos que pedem dinheiro emprestado para comprar tudo o que a sociedade de consumo lhes oferece, através duma publicidade violenta e perniciosa.
Esquecendo à passagem que esta suposta “irresponsabilidade” serviu largamente os interesses do capitalismo mercantil e que mesmo a divida dos Estados é um grande negocio para os detentores de capitais.
Historicamente e economicamente, o endividamento é a vontade dos que emprestam!
Mecânica infalível! Senão vejamos: O Orçamento do Estado em França é de 250 mil milhões de euros. Os ágios da divida são 50 mil milhões! Todos os anos! Bom negocio, não?
Este sistema serviu e serve para enriquecer uma minoria da população – acumulação de dinheiro no cume da estrutura social- (problema: como reutilizar este maná! Especular na divida dos Estados? ) e empobrecer uma grande maioria dos cidadãos.
Esta sociedade, na qual o sistema educativo produziu e produz ainda mais diplomados anualmente que nas gerações precedentes, criou uma vasta classe média superior , com rendas em plena erosão, quando tem um emprego. Foram eles que compraram os i-Pod e outras maravilhas “oferecidas” pelo mercado. São estes jovens diplomados que foram sacrificados pelo sistema económico. E serão estes porventura que um dia poderão criar incidentes sociais e políticos graves.
Acho curioso que um membro da elite dominante ( não é funcionário da GALP quem quer!) acuse de irresponsabilidade aqueles que sucumbiram às sirenes do crédito, enquanto foram os anglo-saxãos que apostaram no crédito e no endividamento como sistema de expansão do mercado. E que todos os países seguiram.
A crise vem de longe e não é só a consequência das subprimes; ela começou quando o nível de vida tinha já baixado, e foi a queda do poder de compra e da procura que conduziu à crise.
A intervenção das populações a baixos salários do ex-Terceiro Mundo, na China, na Índia e além, comprimiu as rendas dos trabalhadores, provocou a estagnação ou mesmo a baixa dos salários foram o acelerador da crise actual.
Claro que falta saber como inverter o vapor!
Penso que falta gente capaz para efectuar a manobra. Os políticos são impotentes. A irresponsabilidade das elites, que aceitou a livre-troca, as deslocalizações e a abertura cega das fronteiras e um Estado que se meteu ao serviço dos interesses dos grandes grupos privados sejam eles nacionais ou estrangeiros (Bruxelas), leva a um sentimento de desespero nunca visto antes.
As políticas de austeridade que se generalizam na Europa são incompatíveis com a necessidade de relançamento da actividade. Isto só pode salvar a nossa sociedade.
A sociedade é um contrato tácito mutuamente avantajoso onde cada um troca serviços com o seu vizinho de maneira que a soma dos bens trocados seja superior àquela que seria produzida por cada indivíduo isolado na ausência dum mercado.
Hoje, o ”mutuamente avantajoso” cedeu o lugar ao egoísmo absoluto. Os i-Pod’s não são para todos! Mesmo a crédito!
Por um lado, assegura-se às classes privilegiadas a conservação do estatuto e dos seus privilégios. Por outro lado, recusa-se a ordem social em troca da gestão política da mais valia acrescentada! Na Volkswagen há muito que isso existe!
“Chez nous”, o compromisso não existe. A arbitragem entre interesses divergentes deveria ser o Estado. Mas não é. Simplesmente porque ele está ausente! A mais valia dos accionistas (shareholders) vai para os grupos de interesses (stakeholders) e daí, para a especulação e os paraísos fiscais! Regressará mais tarde através da especulação da divida dos Estados, para auferir taxas de 7% e mais!
Ao ler o diálogo entre os dois amigos do PSD, penso que o modelo social-democrata foi muito mal pensado pelos intelectuais. Como se a alternativa anterior entre capitalismo e comunismo estava ainda tão fortemente ancorado nos nossos espíritos que nos parece impossível de pensar para lá desta oposição.
O nosso Amigo e Companheiro do Lodo ultrapassou nitidamente essa fronteira. E ainda bem!
Freitas Pereira
1 comentário:
Perdão para o « mutualmente » onde devia ser “mutuamente” ! Devia escrever mais frequentemente em Português! Vou aumentar a minha contribuição neste simpático “blog” !
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