Há
alguns meses que vemos debater o futuro do Euro político a par do futuro do
Euro económico. Para um país cuja abstenção nas eleições europeias ultrapassa
os 60% este é um tema que pouco pode dizer aos seus concidadãos. Pode também, e
fruto da contra-informação frequentemente gerada por uma esquerda eurocéptica,
causar a confusão e a discórdia entre nós, leigos nestes assuntos, devido à
falta de conhecimento das dimensões sociais do enquadramento europeu.
O
processo de integração europeia, iniciado em 1948 por franceses e alemães teve
um propósito político, o da não agressão entre dois Estados Soberanos
preponderantes no centro do continente. Desenvolveu-se nas décadas seguintes na
vertente económica com uma das mais antigas perspectivas de relacionamento
entre os homens: é através do comércio que mais facilmente se pode evitar a
guerra. De tratado em tratado, de entrada em entrada de novos membros no clube
da Europa o intuito no Velho Continente passou numa primeira fase de aprofundamento
de países com semelhanças civilizacionais evidentes, para numa segunda fase
incluir os antigos satélites da URSS que aspiravam a índices de desenvolvimento
económico e social semelhantes aos vividos no clube.
Este
desenvolvimento natural implicou contingências burocráticas relativas aos
processos de votação no parlamento e no conselho difíceis de gerir, tendo-se
negligenciado a tarefa de transmitir continuamente aos cidadãos da Europa as
implicações do aprofundamento de relações e transferência de competências dos
parlamentos nacionais para as instâncias supra-nacionais. Por outro lado, o dos
Estados, o enfoque nas uniformizações económicas e financeiras impostas em
grande parte pelo Banco Central Europeu fez com que os novos actores políticos
se esquecessem (ou parecem fazer esquecer) os propósitos desta União.
Havendo
um peso relativo crescente da moeda única europeia face ao dólar nas reservas
internacionais, e não se permitindo que o yuan entre na contabilidade
internacional - julgo que por razões culturais - o Euro encontra-se numa forte
penalização cujo propósito poderá ser o do enfraquecimento da União devido à geo-estratégia económica dos grupos
concorrentes mais fortes (neste caso Estados Unidos e China).
Sobre
os Estados Unidos: a manutenção do dólar em baixa comparação com o Euro é uma
legítima estratégia de escoamento dos seus produtos no plano internacional, a
actuação das agências de notação financeira Moody's e Fitch não obedece a
qualquer outro critério para além das mais-valias ansiadas pelos seus
accionistas. A frase de Gordon Gekko "Greed is good" aplica-se-lhes
na perfeição, sendo a comissão gerada pelos produtos derivados (warrants e cds)
a maior motivação. Devo lembrar que são agências que atribuíam notação AAA+ em
2008 à AIG, que em 3 semanas esteve em risco de falir... Tendo as suas sedes
organizacionais no continente americano, a difícil burocracia europeia pouco
pode fazer. Ali cada um desempenha o seu
papel, portanto.
Sobre
China e a sua crescente importância na
Europa: No início da década de 2000 vimos na Europa uma presença constante e
crescente de produtos made in china produzidos com baixos custos humanos
e tecnológicos e que competiram desonestamente com os seus concorrentes europeus
que respeitam as básicas condições de trabalho das equipas producentes. Como
sabemos, qualquer economia que pretenda entrar nos mercados secundário e
terciário segue uma estratégia de implementação: começa a produção em série,
defeituosa e a com uma relação custo/benefício que lhe permita assegurar um
escoamento rápido e em grande escala para que posteriormente se possa
aperfeiçoar no mercado mais lucrativo. Na
fundação da Mercedes em 1886 ninguém imaginaria que passados 125 anos seriam
considerados os carros mais ambicionados no mundo. No sector nacional de
calçado, após décadas em que a produção servia as classes B e C na Europa, e
com a sua morte anunciada aquando a entrada de concorrentes no espaço Schengen,
rapidamente os investidores nacionais redireccionaram o seu negócio apostando na
qualidade e marca (Fly London, por exemplo). Pois o que respeita às relações
económicas entre a Europa e a China, e sobretudo no que respeita à entrada de
produtos chineses no continente, é esta a lógica que tem imperado. Com a
diferença essencial de que num continente se respeitam as 8 horas diárias de
trabalho, as compensações sociais, o gozo de férias pagas, a protecção à
infância e os direitos consagrados na Carta Internacional dos Direitos Humanos.
E são os segundos os que hoje se predispõem a comprar a dívida europeia.
Naturalmente a troco de maiores concessões no campo económico. E talvez
geo-estratégico.
São
conquistas da civilização ocidental que, e a continuar no impasse criado pelos
decisores europeus, seja por questões de agenda interna ou por entraves burocráticos
em processos de decisão, estão comprometidas seriamente a médio prazo na nossa
união e cuja responsabilidade é inteiramente nossa. Num mundo que se afirma
pela concretização de planos multinacionais e de estabelecimento de blocos regionais
(NAFTA, MERCOSUL, ASEAN, União Africana...) cujas prioridades assentam em
benefícios aduaneiros e de livre transição de bens de consumo, a União Europeia
é a mais eficiente experiência de inclusão da qual resulta o geral aumento das
condições de vida dos cidadãos. É também o bloco cuja afirmação se deu em
primeiro plano pela lógica kantiana de paz pela lei. E seria também o exemplo a
seguir por todos os povos.
O
que impede a União Europeia de criar as eurobonds, de baixar (ainda que
artificialmente) a sua cotação face ao dólar, de criar critérios de entrada de
produtos respeitantes à prática de dumping? O que impede a União de se afirmar
no plano internacional como o bloco mais forte económica, social e
culturalmente? O que nos impede a nós, portugueses, de afirmar que quer seja a
Grécia, a Irlanda, a Itália (e agora os Franceses?) que tenham questões de
dívida soberana é um problema relativo num bloco regional onde há a total
legitimidade para se agilizarem processos e aprofundar com rapidez e eficácia
os planos de harmonização fiscal, financeira e política tão necessários para a
sobrevivência saudável do sonho europeu e afirmação internacional?
2 comentários:
O problema crucial da Europa e do Euro é que o Euro nunca existiu realmente. Desde o inicio não foi nada mais que um “deutchsmark” disfarçado, chamado Euro, concedido pelo Mitterrand ao Kohl. Assim como o Banco Central Europeu, o BCE, que não é um Banco Central, mas um organismo de controlo do EUROMARK” para o exclusivo interesse da Alemanha, e verdadeiro predador económico da Europa.
O argumento da inflação de Weimar não é nada mais que um pretexto para modular o EUROMARK para a Alemanha.
Este facto ruína as economias periféricas, economias semi fracas, nunca calibradas para uma moeda tão forte.
A recusa de Merkel sobre o BCE, explica-se muito simplesmente que a Alemanha é incapaz de mudar de modelo na União Europeia, um absorvidor do crescimento dos outros, os seus excedentes fazem os défices do outros, mesmo ao nível do desemprego.
E enquanto o Euro verdadeiro, ajustàvel para todos, não existir, e o BCE não for devolvido aos outros Estados membros da EU; não haverá crescimento.
Freitas Pereira
Faltam políticos a sério, Tânia...
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