quarta-feira, 6 de abril de 2005

Vamos ao circo

Não sou um adepto da política clássica ou sequer do jornalismo conservador, mas não posso deixar de rejeitar o tom da “reportagem” que “O Independente” decidiu fazer sobre o Congresso da JSD, no Fundão.
Ninguém pede aos jornalistas que sejam apreciadores das juventudes partidárias, como também não defenderá defende que sejam organizações próximas da perfeição. Creio que, como todas as organizações políticas, podem ser ninhos de defeitos – se fomentarem o carreirismo e a dependência – ou escolas de virtudes – se prepararem os seus militantes para os deveres inerentes à participação cívica. No caso concreto da JSD estou à vontade para falar, pois, embora a tenha integrado durante mais de 15 anos, já prescrevi, não tendo interesse directo na demanda.
Voltando ao dito relato jornalístico, é evidente que não podia deixar de mencionar o lado pitoresco ou surreal do evento: um pedido de casamento e cartazes com inscrições menos compostas.
O que já parece menos digno é que o editor do jornal (citado pelo próprio jornalista, cuja qualidade pessoal e profissional não ouso, todavia, por em causa) tenha proferido pérolas como “só tens de sair à noite. Aquilo é só noite, álcool e sexo”. E ainda: “não precisas de seguir o congresso. Eu quero é que te divirtas.”.
Apesar de o jornalista ter reconhecido que o congresso tinha pouco ou nada do entretenimento prometido, não posso deixar de lamentar que eu e o editor vivamos em mundos diferentes. Fui a “n” congressos e em todos eles assisti a debate político, com maior ou menor qualidade, independentemente do programa de diversão que me parece normal, quando falamos de reuniões de jovens dos 14 aos 30 (máximo 32) anos.
Será, por exemplo, que um jornalista que se divirta depois de sair da redacção pode ver resumida à parte festiva a sua actividade profissional?!
O problema tem mais a ver com a falta de respeito com que algum jornalismo menoriza os fenómenos partidários, numa espécie de superioridade que se dispensa de cobrir os eventos e vai lá para se divertir. Maus ou bons, os partidos são a única forma de representação política da sociedade, tornando-se eficazes como meios de prevenir a anarquia ou o despotismo, sendo que não é depreciando-os “abaixo de cão” que os media terão mais liberdade de imprensa. Tenho-o dito e repito: o regime que possa suceder à democracia não trará mais liberdade, já que os limites da liberdade alheia já estão a ser bem forçados, nos dias de hoje.
Era, por isso mesmo, também escusada a legenda da fotografia da Ana Zita Gomes (ex-Secretária-Geral e actual Presidente da Mesa do Congresso), que diz “esta é gira”. Esta gracinha, combinada com a censura ao ex-Presidente por ter perdido o seu apoio – sendo que o reparo se baseia apenas na alegada beleza da Ana Zita – e com mais um bocado de jornalismo para o Pullitzer que afirma que “não é um mito urbano: as miúdas da JSD são muito mais giras que as da JS”, faz com que, ainda que involuntariamente, o “Independente” venha ajudar os sectores mais reaccionários dos partidos que ainda se guiam por esse género de abordagem em relação às mulheres que participam politicamente.
Eu que sou avesso a quotas, preferindo que as pessoas valham pelo mérito, sem olhar a idade, sexo, raça, credo, orientação sexual ou qualquer outro factor que não seja a vocação política, sinto que perco força nessa oposição, cada vez que um actor político (e os media são actores, actualmente) coloca em xeque uma mulher que foi eleita por mérito, e não por ser “gira”. Pergunta o jornalista se “pensam que a jota é estúpida?”, e eu, que até nem sou amigo íntimo da Ana Zita, respondo que, de facto, a JSD não foi estúpida, uma vez que, deixando de lado as opções pontuais, é um percurso que, a par de nomes como Ana Sofia Bettencourt, Lurdes Sousa, Filipa Guadalupe, Ana Janine, Vânia Neto, Sandra Pereira e Rosária Sardinha (que perdoem aquelas de quem me esqueço), foi feito por mérito e provas dadas.

E nem é que eu não tenha sentido de humor. Quem me conhece sabe que “antes pelo contrário”, mas se a intenção era apenas humorística, talvez valesse terem ido ao circo...

Nota: este post já foi previamente publicado na imprensa.

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