Com as evidentes
e importantes distâncias, vejo os protestos madrugadores contra a posse de
Donald Trump quase como vejo a resistência dos taxistas à Uber: a prazo, vale o mesmo que espetar o dedo numa fenda de uma
barragem.
Diria mesmo que as proezas do
Presidente norte-americano apenas foram espoletadas, já que, depois de
telefonemas de Taiwan e para Moscovo, e de revogações de tudo e mais umas
botas, conseguiu mesmo, segundo fontes lidas, fazer tremer uma certeza que
tinha como bíblica, virando Maria Vieira contra Ana Bola.
Brincadeiras à parte, a verdade é que existe um ponto de vista analítico
de que devemos partir: Trump ganhou as eleições, competindo a quem deseje
demonstrar o contrário (estribado em interferências russas ou outras
acusações). E nem vale a pena repetir as lamúrias sobre os (muitos) votos a
mais que teve Hillary. O sistema eleitoral não pode ser um exemplo democrático quando
ganham os favoritos dos artistas e jornalistas, e uma maquinação demoníaca quando
vence o patinho feio (neste caso, o Donald).
Não quero, com o que já vai dito, que fique a ideia de que subestimo o
que temos em mãos. Desamparar os mais desfavorecidos nos EUA pode gerar
convulsão num país que necessitamos de ter estável e atento ao mundo. Por falar
nele, “America first” significa que o nosso irmão maior vai deixar de nos
defender nas bulhas que vêm por aí e que se antevêem cada vez mais perigosas.
Por seu turno, impedir a circulação de muçulmanos em modo lato apenas lançará
fermento de ódio em massas já inclinadas a acreditar em patranhas que incitam à
violência contra o “outro”, só porque é outro. Um muro, qualquer que ele seja,
divide e aumenta ressentimentos. E por aí fora…
Porém, voltamos à mesma: a constituição americana permite tudo isto?
Parece que sim.
Este Donald, assim, é todo menos pato e, escorado por uma péssima escolha
de opositor por parte do Partido Democrata, limitou-se a cavalgar os medos que
assolam as sociedades contemporâneas, muitos dos quais causadas por predadores
económicos como ele próprio, os quais, sem preocupação com uma redistribuição
mais justa da riqueza, foram subjugando milhões aos vendedores de falsas
esperanças.
Talvez resida neste momento o despertar de uma Europa balofa e frouxa que
achou que a invasão da Ucrânia e o Brexit
eram culpa exclusiva de, respectivamente, russos e ingleses (os britânicos mais
ansiosos por sair da UE). Já era tempo de os franceses pararem de pensar que
são a Luz, de os alemães entenderem que economias sãs hão-de resolver todos os
problemas, de os portugueses se fiarem nos brandos costumes para passar entre
os pingos da chuva, etc, etc… E, já agora, também vinha a calhar que os
comissários, eurodeputados e milhares de burocratas que sustentamos a pão-de-ló
acabassem com discursos redondos para justificar as sinecuras, passando a uma
retórica substanciada, motivadora e que responda aos problemas reais; os mesmos
para os quais buscaram respostas os eleitores de Trump…