Cada vez mais me convenço que há uma diferença cultural de tomo entre os latinos e os anglo-saxónicos.
Falo da cultura do mérito e de todas as suas implicações. Por norma (não pode generalizar-se, como em nada na vida, é claro), um indivíduo de matriz anglófona, a mais de acreditar que o mérito pode ditar o bom ou mau resultado de um percurso pessoal, olhará os casos de sucesso com respeito e como um incentivo a melhorar; dirá que, se determinada pessoa alcançou um determinado feito, nada diz que, com igual esforço, qualquer outro não possa fazê-lo.
Por cá, se um tipo com posição de relevo se mantém simples nos modos, elogia-se (sempre que se opta por essa raridade que é um comportamento positivo) o facto de saber viver como o povo; ou seja, em vez de presumir que se trata de uma maneira de ser, gaba-se a não elevação do padrão de vida.
Por seu turno, se, de facto, um dos nossos compatriotas mais bem sucedidos muda de modus vivendi (por vezes, é mesmo incontornável), a inveja e a busca de pontos fracos passa a desporto olímpico. Mais do que olhar para a meta, procura-se fazer regressar os mais rápidos à linha de partida.
Vem isto (também) a propósito da nossa política e, para que fique claro, digo já que podem atacar-me (muitos já o fazem) de mil maneiras e sobre mil e um assuntos, mas garanto-vos que nunca misturei política com negócios e, por isso, estou à vontade para escrever o seguinte: independentemente dos contornos financeiros e legais da questão, que devem ser esclarecidos (sendo caso disso) pelas autoridades e pelos visados, a recente exposição mediática do nosso conterrâneo Nuno Freitas parece-me pensada, parcial e excessiva.
Sumariamente, para quem não tem acompanhado a polémica, alega-se, entre outras coisas, que Freitas teria favorecido, enquanto nº 1 do IDT (Instituto da Droga e da Toxicodependência), quer a irmã (que editaria uma revista financiada pelo IDT), quer uma empresa do seu (nosso) correligionário e dirigente da JSD, Filipe Nascimento.
Nuno Freitas alega a legalidade do processo e, como disse, creio que isso é assunto para ser esclarecido pelas vias competentes e não por um julgamento popular. Quem errou que pague, quem não o fez que veja o bom nome preservado.
Mas vamos aos passos do juízo que fiz sobre a atenção que o assunto tem merecido, mormente na “blogoesfera”. Entendo que é uma divulgação pensada, pois ando pela política há tempo suficiente para franzir o sobrolho quando vejo um assunto com algum tempo de maturação a merecer tanta atenção à porta de eleições concelhias. O facto é que se falava, fazia algum tempo, na hipótese de Nuno Freitas avançar para a comissão política concelhia de Coimbra do PSD. Que melhor altura? E mesmo se não foi ninguém do establishment a atear este fogo, teremos de convir que é uma coincidência danada.
E nem se pense que estou a culpar a imprensa tradicional; o seu dever é informar. O que me intriga é o sentido de oportunidade das fontes de informação, confesso… Mas creio que sobre isto, mais tardar na altura da próxima lista de deputados, iremos tendo mais pistas.
Em segundo lugar, afirmei que tudo isto me parece parcial. De facto, com o avolumar de outros rumores, já há muito que os justiceiros de Coimbra podiam ter gritado por justiça. Só ouviram falar deste assunto? Basta visitar os blogs locais para ler insinuações sobre água, vinho, gasosa, e milhares de assuntos.
Não insinuo nada sobre quem quer que seja, note-se! O que quero dizer é que é curiosa a devoção recente e exclusiva por este “caso”.
Por fim, digo que se trata de uma atenção excessiva, quando não mesmo cruel, porque olvida que se está a “derreter”, ainda sem o apuramento cabal do assunto, um dos mais brilhantes quadros do PSD (e é também por isto que nada me parece ao acaso).
Tenho dito e escrito que a política nacional, em geral, e a de Coimbra, em particular, têm caído no cinzentismo, no deserto de ideais e na orfandade de novas lideranças. Com todos os seus defeitos, o Nuno seria (será, digo eu) uma boa hipótese de regeneração.
Ninguém quer mais do que eu (também sou cidadão e contribuinte) que o caso seja levado às últimas consequências, mas dá-me dó e encoraja-me a desistir a mesquinhez, a crueldade, a leviandade, a falta de consideração e o anonimato com que hoje se abordam os temas de interesse cívico, como é, inegavelmente, o caso.